“Grande vitória”. Primeiro antibiótico em décadas (quase) a chegar ao mercado

ZAP // Edgar181 / Wikipedia; Dall-E-2

Fórmula da gepotidacina sobreposta numa colónia de E.Coli (conceito artístico)

O grande candidato é a gepotidacina, um antibiótico oral de primeira classe capaz de combater infeções urinárias não complicadas, uma doença que afeta entre 50 a 60% das mulheres em algum momento da sua vida.

Uma nova classe de antibióticos para o tratamento de infeções do trato urinário está quase a chegar às farmácias.

E ao contrário da maioria dos fármacos que conhecemos, este não é tão suscetível à praga da resistência aos antibióticos.

A gepotidacina foi desenvolvida por um grupo de investigadores da Universidade de Venderbilt (EUA), em parceria com a biofarmacêutica Glaxo Smith Kline.

Os resultados obtidos nos dois estudos foram submetidos à Food and Drug Administration (FDA), onde aguardam aprovação.

Se o resultado dor positivo, a gepotidacina vai tornar-se no primeiro antibiótico a ser aprovado para uso em humanos em décadas.

Nos últimos anos a ciência tem estado focada em descobrir novos antibióticos. Porém, a verdade é que a grande maioria dos candidatos não passa todos os ensaios clínicos necessários para ser aprovados.

Por este motivo, se a gepotidacina for aprovada, esta será uma grande vitória para a ciência (e para todos nós).

 

Nos dois ensaios realizados, o EAGLE-2 e EAGLE-3, a terapia com gepotidacina mostrou-se bastante eficiente. Os resultados não só não foram inferiores aos obtidos com nitrofurantoína,  antibiótico comumente usado como tratamento de primeira linha para pacientes com infeção do trato urinário, como foram mesmo superiores.

No EAGLE-2, cerca de 50,6% dos pacientes tratados com gepotidacina conseguiram travar o desenvolvimento da infeção. Já a nitrofurantoína registou uma taxa de sucesso de 47%, neste mesmo estudo. No EAGLE-3, a percentagem de sucesso fixou-se nos 58,5% para a gepotidacina, contra 43,6% com nitrofurantoína.

O primeiro estudo onde estes resultados foram publicados tornou-se num dos artigos mais lidos dos últimos 10 anos da revista ACS Infectious Diseases, onde foi publicado, o que reforça a importância destes resultados e o potencial deste antibiótico, numa altura em que a resistência dos antibióticos se tornou num grave problema de saúde pública.

“De uma forma geral, os resultados dos ensaios EAGLE-2 e EAGLE-3 fornecem fortes evidências de que a gepotidacina é um antibiótico oral eficaz e seguro para o tratamento de infeção não complicadas do trato urinária”, explicam os autores do estudo.

“A gepotidacina tem todo o potencial para se tornar num novo tratamento, em especial para pacientes resistentes a outros antibióticos ou intolerantes aos tratamentos de primeira linha”, acrescentam.

Mas a importância da gepotidacina não está apenas na sua eficiência enquanto antibiótico, mas também na sua capacidade de não gerar resistência tão facilmente. Para se entender melhor esta característica é importante compreender como é que se desenvolve a resistência a antibióticos.

Quando um antibiótico é usado em larga escala, durante um longo período, surge a possibilidade de a bactéria onde este atua se tornar resistente ao antibiótico: o fármaco deixa de fazer efeito e já não consegue controlar a infeção.

Como consequência, a bactéria multiplica-se, a infeção aumenta e o antibiótico é absolutamente ineficaz. Nestes casos, diz-se que a bactéria ganhou resistência ao antibiótico.

Mas, como é que isto, na prática, se processa? Para um antibiótico funcionar este tem de se ligar à bactéria que vai combater. O que acontece quando uma bactéria ganha resistência é que esta adquire uma mutação genética que faz com que o antibiótico não se consiga mais ligar.

 Ora, se o fármaco não se liga ao seu alvo, então é evidente que a sua ação será nula. Uma vez que as bactérias com mutação estão em vantagem em termos de sobrevivência, então acabam por se multiplicar exponencialmente, até se atingir um ponto em que todas as bactérias têm essa mutação e, portanto, todas as bactérias dessa estirpe são resistentes ao antibiótico.

Mas até na resistência aos antibióticos a gepotidacina está em vantagem. Isto porque o seu mecanismo de ação implica que esta se ligue a duas enzimas da bactéria (a topoisomerase girase tipo II e a topoisomerase IV).

Ou seja, para uma bactéria se tornar resistente à gepotidacina, esta tem de acumular pelo menos duas mutações nestas proteínas em específico, o que é muito menos provável de acontecer.

“Esta descoberta é crítica porque significa que, para se obter resistência à geoptidacina, terá de haver mutações simultâneas em duas enzimas distintas. Isto torna muito menos provável o desenvolvimento de resistência”, diz Neil Osheroff, investigador da Universidade de Venderbilt e autor principal do estudo.

“Assim que a gepotidacina entrar em uso clínico regular, e à medida em que começarem a surgir evidências da sua utilização, os sinais de resistência devem ser monitorizados”, acrescenta Osheroff.

“A economia na saúde deve ser desenvolvida de modo a moderar o entusiasmo clínico em relação a novos antibióticos, de modo a controlar os episódios de resistência que advêm, sobretudo, de uma utilização desenfreada e, muitas vezes, desnecessária” explica o autor do estudo, em nota final.

Patrícia Carvalho, ZAP //

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