Como Israel apoiou o nascimento do Hamas — e criou o seu maior inimigo

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Carles Palacio / arietcat / Flickr

Foram os israelitas que incentivaram o crescimento inicial do radicalismo islâmico em Gaza, numa tentativa de enfraquecer a oposição palestiniana secular — mas esta decisão provou ser um grande erro.

Com a recente escalada no conflito israelo-palestiniano, que está a viver um dos momentos mais tensos em 100 anos, há uma questão que está na cabeça de muitos: como nasceu o Hamas?

O Hamas — que é um acrónimo em árabe para “Movimento de Resistência Islâmica — é uma organização política e militante palestiniana que controla a Faixa de Gaza. Fundado em Gaza em 1988, durante a Primeira Intifada, o grupo não reconhece qualquer legitimidade ao Estado israelita e é o principal braço armado da causa palestiniana, defende formação da Palestina enquanto um país independente e que segue as leis islâmicas sharia.

No entanto, foi Israel quem facilitou a ascensão do Hamas como um contrapeso ao Fatah e à Organização para a Libertação da Palestina (OLP), então liderada por Yasser Arafat. Na altura, o Fatah e a OLP eram os principais inimigos de Israel e uma das razões para o receio dos israelistas residia no facto de serem grupos laicos e capazes de unificar o povo palestiniano sob a mesma bandeira.

Durante o tempo em que Gaza esteve sob controlo do Egipto, particularmente do Governo secular de Gamal Abdel Nasser, as atividades dos islamitas, particularmente aquelas afiliadas à Irmandade Muçulmana, não eram permitidas.

Mas esta política mudou após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel rapidamente derrotou uma coligação de nações árabes e assumiu o controlo de Gaza. As autoridades israelitas, vendo a Irmandade Muçulmana como um contrapeso útil ao Fatah, permitiram que os ensinamentos dos radicais islâmicos se espalhassem.

Já diz o ditado popular que a união faz a força e o objectivo dos israelitas era enfraquecer a oposição, semeando a discórdia entre os grupos seculares e os islâmicos, de forma a que os palestinianos estivessem mais ocupados a lutar entre si do que contra o inimigo que tinham em comum.

Mas esta decisão acabou por ser um grande tiro saído pela culatra, com Israel a subestimar a proporção e o poderio militar que o grupo islâmico acabaria por alcançar.

“O Hamas é, para meu grande pesar, uma criação de Israel. Cometemos um erro enorme e estúpido”, admitiu Avner Cohen, um responsável militar israelita que trabalhou em Gaza durante mais de 20 anos.

Esta confissão surgiu numa entrevista em 2009 ao Wall Street Journal, que especifica como exactamente os israelitas encorajaram a difusão dos ideais da Irmandade Muçulmana em Gaza e apoiaram Ahmed Yassin, o militante que viria mais tarde a fundar o Hamas:

A administração liderada pelos militares de Israel em Gaza viu com bons olhos o clérigo paraplégico (Yassin), que criou uma ampla rede de escolas, clínicas, uma biblioteca e jardins de infância. Yassin formou o grupo islâmico Mujama al-Islamiya, que foi oficialmente reconhecido por Israel como uma instituição de caridade e depois, em 1979, como uma associação. Israel também apoiou a criação da Universidade Islâmica de Gaza, que considera agora um foco de militância.

Em meados da década de 1980, Cohen chegou a escrever um relatório oficial aos seus superiores onde os adverte para não brincarem com o fogo ao tentarem dividir a oposição, apoiando os palestinianos islamistas contra os secularistas. “Eu sugiro concentrar os nossos esforços em encontrar maneiras de acabar com este monstro antes que esta realidade salte na nossa cara”, escreveu.

O general de brigada Yitzhak Segev, que foi governador militar israelita em Gaza no início dos anos 1980, também admitiu ao New York Times que ajudou a financiar o movimento islâmico como um “contrapeso” aos esquerdistas da OLP e do Fatah de Yasser Arafat, que sempre se referiu ao Hamas como “uma criatura de Israel”.

“O governo israelita deu-me um orçamento”, confessou o general de brigada reformado, “e o governo militar dá-o às mesquitas”.

O Mujama al-Islamiya de Yassin tornar-se-ia o Hamas — e passaria de uma instituição caridosa para um grupo terrorista, aos olhos de Israel. Os israelitas prenderam Yassin em 1984, condenando-o uma pena de 12 anos após a descoberta de esconderijos de armas, mas nessa altura, o mal já estava feito.

Numa reviravolta irónica do destino, Israel acabou mais tarde por reconhecer formalmente a legitimidade da OLP e aceitou sentar-se à mesa de negociações com os líderes seculares para os Acordos de Oslo de 1993. Por sua vez, o Hamas recusou aceitar Israel ou renunciar à violência e tornou-se a principal instituição da resistência palestiniana à ocupação israelita.

Yassin acabou por morrer num ataque aéreo israelita em 2004. Em 2007, depois de uma vitória eleitoral do Hamas, que irritou tanto o Ocidente como o Fatah, o grupo islâmico assumiu o controlo de Gaza, dando origem a vários bloqueios, ataques e constantes incursões dos israelitas no território.

“Quando olho para trás, para a cadeia de eventos, penso que cometemos um erro”, observou mais tarde David Hacham, um antigo especialista em assuntos árabes nas forças armadas israelitas que esteve baseado em Gaza na década de 1980. “Mas na época, ninguém pensou nos possíveis resultados“.

E esses resultados estão agora mais à vista do que nunca.

Adriana Peixoto, ZAP //

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9 Comments

  1. Recordo: as torres gémeas para o Bush Jr. estão como este ataque para o net/you… ambos serviram de desculpa para divagarem….
    Daqui a uns anos vem a Verdade!!!

  2. Não esquecer que é muito estranho as agências de inteligência mais fortes e bem preparadas do mundo, não conseguiram prever os movimentos dos terroristas.
    E o primeiro ministro Benjamin Netanyahu só sai beneficiado com isso. Já que estava à bastante tempo politicamente enfraquecido devido aos bastantes casos de corrupção…

  3. @António Almeida, que “verdade” é essa? A de que o 11 de Setembro foi um inside job, ou outra lunaticidade do género?

  4. É apenas mais um caso de aplicação do velho princípio “dividir para reinar”. Não é o único, muitos governos e políticos fazem isso para que pudessem permanecer no poder. É apenas um novo exemplo do que mais sedo ou mais tarde a maldade retorna ao seu criador. Mas ninguemj aprende com a história.

  5. Pois é. A mesma coisa fizeram os americanos no Afeganistão. Financiaram, treinaram e armaram os mudjahidins contra o governo secular só porque era de esquerda e aliado da URSS. Nessa altura os direitos das mulheres eram respeitados como no ocidente. Depois, foi o que se sabe. Talibans, retrocesso civilizacional, as mulheres tratadas como coisas ou animais, ao fim de vinte anos de guerra, milhares de mortos e a miséria mais profunda. Vinte anos, aliás, em que, sob a tutela americana, o Afeganistão foi um dos maiores fornecedores de droga do mercado mundial.
    Ambos os casos são exemplos paradigmático de como as táticas obscenas do fascismo e do sionismo se transformam em erros estratégicos. Mas quem paga as favas são os povos. Os que tomam as decisões estão sempre safos e ricos.

  6. Os israelitas não só não previram a tragédia, como ignoraram o aviso dado pelos egípcios de que algo de anormal se estava a passar. Desvalorizando, não se percebe bem porquê, esta preciosa informação deram origem a esta invasão.

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