A Arfid é um distúrbio alimentar que poucos conhecem — e tem um forte fator genético

Pessoas que sofram desta condição tendem a restringir os alimentos que comem devido à aversão sensorial a certos gostos, cheiros e texturas como experiências alimentares traumáticas.

Estima-se que 1-5% da população mundial sofre de um distúrbio alimentar que poucas pessoas sabem sequer que existe. Conhecida por Transtorno Alimentar Restritivo, ou Arfid (devido ao seu significado em inglês, Avoidant Restrictive Food Intake Disorder), a condição é uma forma extrema de alimentação restritiva — que, se não for controlada, pode ter um impacto severo na vida e saúde de uma pessoa.

Apesar da gravidade do Arfid, ainda se sabe muito pouco sobre as suas causas — o que dificulta o desenvolvimento de tratamentos eficazes. Mas no primeiro estudo de Arfid realizado com irmãos gémeos, a equipa revelou agora que os factores genéticos desempenham um papel importante no seu desenvolvimento.

Esta investigação aproxima-nos da compreensão das causas de Arfid — e deu aos cientistas esperança de que um dia encontre melhores formas de tratar a doença.

Arfid foi definido pela primeira vez como um distúrbio alimentar em 2013. As pessoas com a condição consomem uma variedade extremamente limitada de alimentos ou uma quantidade muito baixa de alimentos (ou ambos). Mas em comparação com pessoas com outras perturbações alimentares — como a anorexia nervosa — esta restrição alimentar não é motivada pela insatisfação corporal ou pelo desejo de perder peso.

Em vez disso, as pessoas restringem os alimentos que consomem habitualmente devido à aversão sensorial a certos gostos, cheiros e texturas, baixo apetite, bem como experiências alimentares traumáticas — tais como asfixia nos alimentos e medo de dores gastrointestinais. Esta restrição é tão extrema que leva à perda de peso, deficiências vitamínicas e minerais, e pode afectar a vida diária de uma pessoa.

O Arfid afecta tantos homens como mulheres, enquanto outros distúrbios alimentares — tais como anorexia nervosa e bulimia nervosa — ocorrem com mais frequência em raparigas e mulheres. Também, ao contrário de outros distúrbios alimentares, o Arfid desenvolve-se normalmente na primeira infância.

Gémeos e genética

É sabido que outros distúrbios alimentares são moderadamente a altamente influenciados pela genética de uma pessoa. Por conseguinte, é altamente provável que os factores genéticos também possam explicar em parte porque é que algumas pessoas desenvolvem Arfid e outras não.

Como tal, os cientistas dedicaram-se a estudar até que ponto a “hereditariedade” — um conceito complexo que mede a proporção pela qual as diferenças nas características das pessoas são explicadas pelas diferenças nos seus genes — tem influência.

Para estimar a hereditariedade de qualquer característica, é possível utilizar o método dos gémeos. Isto faz uso do facto de gémeos idênticos partilharem todos os seus genes, enquanto os gémeos não idênticos partilham em média 50% dos genes que tornam as pessoas diferentes umas das outras.

Além disso, à medida que os gémeos crescem no mesmo ambiente e exatamente ao mesmo tempo, podemos excluir que as influências deste ambiente partilhado causem quaisquer diferenças entre eles (como pode acontecer com irmãos comuns de idades diferentes).

Como tal, os investigadores compararam a semelhança de uma certa característica entre gémeos idênticos com a sua semelhança entre gémeos não idênticos. O grau de semelhança entre gémeos idênticos dá uma estimativa da hereditariedade desta característica.

A fim de estimar a hereditariedade do Arfid, os cientistas começaram por consultar os dados do Registo Sueco de Gémeos, que rastreou a saúde de 34.000 gémeos. Primeiro, combinaram dados de questionários parentais e diagnósticos clínicos registados para identificar crianças com Arfid. Aplicaram depois o método dos gémeos, verificando que a hereditariedade do Arfid era de 70-85%. Isto significa que se as crianças tinham ou não Arfid era entre 70-85% explicado pelas diferenças nos seus genes.

Isto coloca o Arfid entre os distúrbios mentais com uma componente herditária mais forte. Em comparação, a hereditariedade do autismo é estimada em 79-84% e a do ADHD é de 76-89%. Além disso, a hereditariedade do Arfid é superior à da anorexia nervosa (48-74%), bulimia nervosa (55-61%), e do transtorno comestível (39-57%), sugerindo que o Arfid pode ser o mais hereditário dos transtornos alimentares.

Esperança de tratamentos

Descobertas como esta podem ajudar a reduzir o estigma e a culpa em torno de distúrbios mentais como o Arfid e outros distúrbios alimentares. Uma pessoa não opta por desenvolver o Arfid — e de forma semelhante, um dos pais não faz com que o seu filho o desenvolva.

Contudo, o facto de a hereditariedade do Arfid ser inferior a 100% também mostra que não são apenas os genes que fazem com que alguém possa desenvolver o distúrbio. Outros factores, tais como a asfixia muito grave dos alimentos ou reacções alérgicas graves, podem desencadear o desenvolvimento deste distúrbio alimentar.

As descobertas sugerem também que os estudos genéticos têm um enorme potencial para nos ajudar a compreender as causas do Arfid. É isto que o nosso próximo estudo visará fazer.

Neste momento, estão a ser desenvolvidos tratamentos para o Arfid utilizando terapia cognitiva comportamental e terapia de base familiar. No entanto, estes métodos centram-se geralmente nos sintomas, em vez das causas subjacentes ao distúrbio alimentar.

Também ainda não sabemos como estes tratamentos funcionam bem. Mas uma melhor compreensão das causas do Arfid, incluindo a sua biologia subjacente, irá ajudar-nos a desenvolver melhores tratamentos.

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