O ex-Ministro da Defesa foi à Assembleia da República explicar o que sabia sobre as suspeitas de corrupção que levaram à investigação “Tempestade Perfeita” e garantiu ter agido sempre “como devia”.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros considerou hoje ter feito “exatamente aquilo que devia fazer” relativamente às suspeitas de corrupção no Ministério da Defesa, abrindo caminho à investigação “Tempestade Perfeita”.
“Se estamos hoje com esta matéria a ser investigada nas instâncias próprias, é exatamente porque aquilo que eu fiz na Defesa foi agir em conformidade com a informação que tínhamos, no respeito pela lei e pelo bom nome do Ministério da Defesa Nacional”, declarou João Gomes Cravinho.
Neste discurso inicial, João Gomes Cravinho lamentou que haja quem se queira “aproveitar politicamente de um processo judicial que procedeu, e procede, de forma escorreita”.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, que tutelou a Defesa entre 2018 e 2022, discursava no arranque do debate parlamentar, requerido pelo Chega, sobre “as suspeitas de corrupção no Ministério da Defesa Nacional”.
O caso veio a público após a Polícia Judiciária ter detido cinco pessoas no dia 6 de Dezembro, no âmbito de suspeitas de corrupção na atribuição de contratos a várias empresas, estando a requalificação do Hospital Militar de Belém no centro da investigação. As obras no hospital, que foi depois transformado no Centro de Apoio Militar (CAM) – Covid 2019, custaram o triplo do que estava orçamentado.
Alberto Coelho, ex-director-geral da Direcção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, é um dos principais suspeitos. Apesar de já ter sido alertado para a derrapagem orçamental da obra pelo seu Secretário de Estado em Julho de 2020, Cravinho defendeu publicamente várias vezes Coelho perante os deputados, descrevendo como uma pessoa “extremamente qualificada e capaz”.
“O que se entende por derrapagem? Se estamos a falar de uma obra, devidamente parametrizada, que acaba por custar mais, podemos falar nisso; mas aquilo que se verificou não foi isso, mas sim uma obra preparada num curtíssimo espaço de tempo que acabou por ter uma intervenção maior e que custou mais”, afirmou em Fevereiro de 2021.
Em Abril, o então Ministro da Defesa chegou até a nomear Alberto Coelho para presidir ao Conselho de Administração da ETI (EMPORDEF – Tecnologias de Informação, S.A), uma empresa do universo da holding IdD Portugal Defence (Indústrias de Defesa), detida pelo Estado.
“Não autorizei acréscimo da despesa”
Cravinho, garantiu hoje não ter autorizado um aumento de despesa além dos 750 mil euros inicialmente previstos para a requalificação do hospital.
“Se eu autorizei algum acréscimo de despesa para além dos 750 mil euros? Não, a resposta é não, não autorizei, nem aliás me foi solicitado que autorizasse”, assegurou João Gomes Cravinho, no parlamento.
Depois das perguntas dos vários grupos parlamentares, no final do debate, Gomes Cravinho lamentou ter ouvido “discursos que já estavam escritos” antes da sua intervenção inicial, que considerou ter esclarecido algumas das interrogações dos deputados.
O governante apontou ainda aos deputados uma “grande confusão temporal” a partir da qual se elaboram “as mais extraordinárias teorias”.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros frisa que remeteu imediatamente para a Inspecção-Geral de Defesa Nacional (IGDN) o despacho que o Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches elaborou.
Cravinho refere que a IGDN identificou “inconformidades legais” e propôs que a sua auditoria fosse enviada ao Tribunal de Contas (TdC) e que, “face à falta de competência decisória do director-geral”, o Ministro fizesse um “despacho de delegação de competências” para autorizar retroactivamente a despesa.
O envio da auditoria ao Tribunal de Contas foi feito, mas Cravinho afirma que preferiu esperar pela “análise do TdC” antes de autorizar retroactivamente o acréscimo à despesa da obra, entendendo que “careciam respostas”.
Sobre a nomeação de Alberto Coelho, o ex-Ministro da Defesa refere que fechou um “ciclo de 19 anos” ao não o reconduzir como director-geral dos Recursos da Defesa e acrescenta que, dada a sua experiência e o facto de não haver “nessa altura qualquer suspeita dolosa”, decidiu atribuir-lhe a presidência da EMPORDEF.
“Resumindo: em cada momento, com a informação que tinha, fiz exactamente aquilo que devia fazer”, rematou.
Oposição não ficou convencida
Os argumentos de João Gomez Cravinho não fizeram baixar o tom de críticas vindo da oposição. Do lado do PSD, o deputado Jorge Paulo de Oliveira defendeu que neste processo Cravinho “fez praticamente tudo aquilo que não se espera que um Ministro faça”, acusando-o de desvalorizar, “quiçá autorizar, a brutal derrapagem” das obras de requalificação no antigo Hospital Militar de Belém.
O social-democrata defendeu que Gomes Cravinho “ignorou olimpicamente a essência das empresas destinatárias dos ajustes diretos” e “desprezou o teor dos dois despachos proferidos pelo seu secretário de Estado.
No início do debate parlamentar, o líder do Chega, André Ventura, acusou Cravinho de trazer um “desprestígio enorme” às Forças Armadas, após “o escândalo terrível que abanou os alicerces” daquela instituição.
“É nossa convicção que o senhor ministro não tem condições para continuar como ministro da República”, defendeu.
Pela Iniciativa Liberal, a deputada Patrícia Gilvaz também criticou a nomeação de Alberto Coelho e notou “um padrão comportamental” no qual o Governo “trata as informações sensíveis sempre da mesma maneira: primeiro esconde-as, depois desvaloriza-as e, por fim, ignora-as sem assumir as devidas responsabilidades”.
Francisco César, vice-presidente da bancada do PS, surgiu em defesa da actuação de João Gomes Cravinho e do antigo secretário de Estado Adjunto e da Defesa e actual deputado socialista, Jorge Seguro Sanches.
“Se há algo que podemos dizer hoje com certeza, por muito que custe ao Chega, ao PSD e à IL, é que se houve investigação e escrutínio sobre esta matéria, que levaram também à intervenção dos órgãos judiciários, esta intervenção deve-se sobretudo à atitude pronta, zelosa do interesse público, diligente e responsável do senhor secretário de Estado da Defesa Nacional e do senhor ministro da Defesa João Gomes Cravinho”, considerou.
Joana Mortágua, do BE, questionou Gomes Cravinho sobre se tinha aprovado os custos que triplicaram nas obras do antigo Hospital Militar de Belém e considerou que existe uma “cultura do PS de desresponsabilização, menorização, relativização e desvalorização de práticas que não contribuem para a transparência e salvaguarda do Estado”.
Adriana Peixoto, ZAP // Lusa