Pelo menos, para já. Ordem dos Médicos rejeitou a ideia: “Não é oportuno”. Uma má notícia, segundo o diretor do Hospital São João.
A Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos (OM) “chumbou” hoje a criação da especialidade de Medicina de Urgência, um processo que está por agora encerrado, confirmou à Lusa o bastonário Miguel Guimarães.
“O projeto foi apresentado pela equipa que o preparou e foi chumbado e o assunto, para já, está encerrado”, adiantou Miguel Guimarães, salientando que esta foi uma “decisão democrática”.
A recusa de criação da especialidade, apoiada por antigos e atuais diretores de serviços de urgência, foi tomada na reunião da Assembleia de Representantes, um órgão da OM que junta os médicos de todos os distritos do país e das regiões autónomas dos Açores e da Madeira.
Miguel Guimarães adiantou ainda que, como bastonário, teve de se manter equidistante deste processo, limitando-se a dar os passos necessários para que o projeto de criação da especialidade de Medicina de Urgência fosse à Assembleia de Representantes.
“Foi democraticamente votada e as pessoas acharam que, neste momento, não é oportuno a existência da especialidade”, disse Miguel Guimarães.
Em declarações à Lusa a presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), Lélita Santos, havia considerado a criação da nova especialidade como inoportuna.
“Neste momento, não é oportuno [a criação da nova especialidade] e que há outras alterações e medidas estruturais que devem ser tomadas antes de se analisar a necessidade dessa especialidade”.
“Para já, não concordamos e até nos opomos à criação da nova especialidade. Achamos que primeiro temos de organizar ou reorganizar o Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, disse a médica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
Numa reação por escrito à Lusa antes da votação, o diretor executivo do SNS, Fernando Araújo, salientou que a criação da especialidade de Medicina de Urgência constituía “um eixo fundamental na estratégia delineada” para esta área.
Perdeu-se oportunidade
O diretor do Departamento de Urgência do Hospital de São João lamentou hoje o `chumbo´ da Ordem dos Médicos à criação da especialidade de Medicina de Urgência, alegando que se perdeu uma “oportunidade única de mudar” esses cuidados.
“Infelizmente, do meu ponto de vista, essa votação foi negativa, inviabilizando-se assim aquilo que era uma oportunidade única de mudar o paradigma nacional no que diz respeito aos cuidados de saúde urgentes”, adiantou à agência Lusa Nelson Pereira.
O diretor da Unidade Autónoma de Gestão de Urgência e Medicina Intensiva do Centro Hospitalar de São João foi o impulsionador de um manifesto, divulgado na última semana, em que 56 antigos e atuais diretores de serviços de urgência do país defendiam a criação da especialidade de Medicina de Urgência.
Os signatários lembram que esta é uma especialidade com mais de 50 anos “presente na esmagadora maioria dos países da Europa, nos quais constitui um dos pilares fundamentais dos cuidados médicos”, mas que só agora os médicos portugueses “vão decidir da bondade da sua criação”.
“Numa altura em que é bem claro para a classe médica, bem como para os cidadãos, a existência de enormes insuficiências na entrega de cuidados de urgência na nossa rede hospitalar, torna-se indispensável dar este passo real na prossecução da melhoria desses cuidados”, referia o documento.
Na reunião realizada hoje, a Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos (OM), um órgão que junta os médicos de todos os distritos do país e das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, “chumbou” a criação da especialidade, encerrando, para já, este processo com cerca de três anos.
Na reação ao resultado, Nelson Pereira lamentou que a Assembleia da OM tenha decidido “ficar não do lado da solução, mas do problema”, fazendo com que o país retroceda “mais algum tempo neste caminho” de 50 anos de atraso relativamente aos primeiros países que desenvolveram esta especialidade.
“Somos, mais uma vez, a cauda da Europa, onde três países não reconhecem esta especialidade” (Portugal, Áustria e Chipre), referiu o diretor do Departamento de Urgência do Hospital de São João.
Segundo adiantou, os médicos que estão nas urgências com a responsabilidade de organizar as equipas “estão a passar pelas enormes dificuldades que são públicas e notórias” e “não têm dúvida nenhuma que o caminho” passa pela criação desta nova especialidade.
“Acho que há aqui um corporativismo nesta decisão. Obviamente só posso lamentá-lo. O doente não esteve no centro da decisão. O que esteve no centro da decisão foi o que, eventualmente, esta ou aquela especialidade poderia perder com a criação de uma nova”, afirmou Nelson Pereira.
Segundo avançou o médico, o projeto para criação da especialidade de Medicina de Urgência teve a oposição dos colégios de medicina interna, pediatria e medicina geral e familiar, os três mais representativos em termos do número de médicos.
“O facto de a votação ter tido esse sentido tem, certamente, a ver com uma posição destas especialidades. Vamos continuar este nosso caminho de luta pelos interesses dos doentes”, assegurou Nelson Pereira.
O projeto de criação desta nova especialidade previa um plano curricular com cinco anos, o que permitiria ter os primeiros especialistas em Medicina de Urgência formados dentro de seis anos.
// Lusa