Marcelo muda de tom e apoia revisão constitucional (que antes era uma “chatice”)

Tiago Petinga / Lusa

O Presidente da República já se tinha mostrado reticente sobre os riscos de se avançar com uma revisão constitucional por causa do chumbo à lei dos metadados, mas agora mostra-se adepto da ideia.

Durante a sua participação na Web Summit esta sexta-feira, o Presidente da República comentou os rumores de que PS e PSD estão prontos para negociar uma revisão constitucional cirúrgica.

Quando caiu a bomba da decisão do Tribunal Constitucional de considerar inconstitucional a lei dos metadados, que causou um reboliço na justiça, a hipótese de uma revisão constitucional já estava em cima da mesa.

A lei dos metadados — que são informações como a duração de uma chamada, o endereço IP, quem se contactou, etc — obriga as empresas de telecomunicações a guardar estes dados dos clientes durante um ano.

Isto acontece porque estas informações são muitas vezes usadas como provas em processos criminais. No entanto, o Tribunal Constitucional recentemente considerou a legislação inconstitucional, alegando que viola o direito à privacidade, o que ameaça pôr fim ao uso destas informações na justiça e até levar à reversão de condenações.

Quando se falou em fazer uma revisão constitucional para se contornar este problema, o chefe de Estado vocalizou as suas preocupações. Caso os partidos não conseguissem resolver a situação com uma nova lei dos metadados, “aí pode começar a aproximar-se uma ideia que não é fácil, é problemática, que é haver uma revisão da Constituição”, afirmou Marcelo a 11 de Maio.

Os receios do Presidente prendiam-se com o risco de que uma alteração tendo em vista apenas os metadados acabassem por descambar e levasse a mais mexidas na lei fundamental devido às exigências dos partidos, já que são precisos os votos de dois terços dos deputados para a revisão ser aprovada.

Não há revisões pontuais da Constituição. Não se pode chegar lá e dizer ‘olhe, vamos alterar só isto para ver se passa no Tribunal Constitucional a lei que venha agora a disciplinar a matéria’. Não. Desde que se abre um processo de revisão constitucional, está tudo em causa na Constituição e pode demorar o tempo que demorar”, acautelou.

 

As fontes de Belém chegaram mesmo a descrever as possíveis mexidas na Constituição como uma “chatice”.

Sobre a lei de emergência sanitária, que o Governo quer criar para evitar os puxões de orelhas do TC em futuras situações semelhantes à pandemia que restrições à liberdade, o chefe de Estado indicou sempre que qualquer lei sobre este assunto seria enviada para fiscalização preventiva do Constitucional.

Agora, o Presidente da República parece ter mudado de opinião. Questionado esta sexta-feira sobre a revisão cirúrgica que os dois maiores partidos estão a preparar sobre os metadados e sobre a criação de uma lei de emergência sanitária, Marcelo manifestou o seu apoio.

“Eu próprio defendi que há dois pontos em que era importante haver uma revisão – os metadados, para não haver chumbos consecutivos do Tribunal Constitucional, e a lei da emergência sanitária. Amanhã temos uma outra pandemia ou epidemia, não podemos correr o risco de ter casos em tribunal a dizer que há abusos de poder, se é constitucional ou não”, disse aos jornalistas, à margem da sua visita à Web Summit.

Apesar de estarem de acordo sobre estas mudanças à Constituição, um ponto de discórdia entre PS e PSD tem sido o timing desta mudança, dado que o mais recente processo para se apresentar propostas de revisão foi aberto pelo Chega.

Os socialistas alfinetaram os sociais-democratas, que acusam de querer a ir a jogo com o partido de André Ventura, mas o PSD rejeita aprovar qualquer proposta do partido de extrema-direita e acusa o PS de impor um “bloqueio sistemático” à revisão.

Sobre esta trocas de acusações, Marcelo não quis comentar, afirmando que não é o seu lugar, enquanto chefe de Estado, intervir neste processo legislativo e que está obrigado a promulgar qualquer mudança que for feita à lei fundamental do país.

Adriana Peixoto, ZAP //

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