Conversa com Pedro Gomes, especialista em emprego público, que acredita que a semana de quatro dias será uma realidade em Portugal, nos próximos anos.
A semana de quatro dias nunca foi tão comentada como nos últimos tempos. Pedro Gomes é especialista em emprego público e professor associado de Economia em Londres.
É economista, professor em Birkbeck, Universidade de Londres, e especialista em emprego público. Em Fevereiro deste ano foi publicado, em Portugal, o seu livro Sexta-Feira É o Novo Sábado. Como Uma Semana de Trabalho de Quatro Dias Poderá Salvar a Economia.
“Oxalá este livro faça desmoronar a semana de trabalho de cinco dias sem que seja necessária uma outra guerra ou um novo coronavírus”, disse Christopher Pissarides, Prémio Nobel da Economia 2010, sobre a obra do português.
“Precisamos de descanso, as pessoas estão desesperadas por esta ideia”, comentou com o ZAP, já depois da entrevista. A conversa começou com a organização da economia.
ZAP – Disseste há uns meses, numa entrevista à revista Sábado, que a semana de quatro dias é “uma forma melhor de organizar a economia no século XXI”. Explica-nos isso.
Pedro Gomes (PG) – Primeiro, temos que ver que mudanças houve na sociedade e na economia nos últimos 50 anos: tecnologia, velocidade comunicação, tipo de trabalho que era rotineiro e agora é mais abstracto (como dizem os economistas), as pessoas vivem mais, a estrutura da família mudou, o papel da mulher na sociedade mudou. Foram mudanças profundíssimas na sociedade. Mas a forma de trabalhar não se adaptou. Continuamos a ter uma organização um bocado por inércia, é uma norma que está assim e pronto, nunca pensamos se esta era a melhor maneira. Antes trabalhávamos seis dias por semana, até que o Henry Ford apercebeu-se de que se trabalhava melhor se a semana de trabalho fosse de cinco dias. E isto foi há 100 anos. Ninguém quis voltar para trás, para os seis dias, percebeu-se que esta forma de trabalhar, a semana de cinco dias, era melhor para o século XX. E eu acredito que a semana de quatro dias é a melhor para a economia do século XXI. Para mim, é claro que quatro dias é a forma mais adequada. Já o Richard Nixon…
ZAP – O Nixon que conhecemos?
PG – Sim. Ele foi o primeiro visionário da semana de quatro dias. Quando ainda era vice-presidente dos Estados Unidos da América, em 1956, disse: “A semana de quatro dias vem em breve”. E depois muitos seguiram essa ideia. Mas muitos, ainda hoje, dizem que “sim, ela vem, mas não é já” – e 10 anos depois ainda estão a dizer a mesma coisa. É um processo que demora anos, por isso é preciso começar agora. Se não começarmos a pensar já, vamos estar sempre a adiar.
ZAP – Também consideras que há maior produtividade nas empresas com semanas de quatro dias, mesmo trabalhando menos horas. Como?
PG – Aí temos que dividir: uma coisa é produtividade por hora, outra é produtividade por semana. Em semana de quatro dias, a produtividade por hora aumenta tanto que produz-se o mesmo ao final de uma semana. Pode parecer magia negra, pensa-se “como é possível”? É possível, em duas bases. Primeira, os trabalhadores trabalham melhor, de forma mais intensa nos quatro dias e muitas vezes recuperam o trabalho que não foi feito no dia extra de folga. Temos a ideia de que, quando estamos a trabalhar, estamos sempre a fazer mais coisas; mas cometemos mais erros – e os erros podem trazer consequências graves. As pessoas ficam doentes mais vezes e, em casos de trabalhos por turnos, é preciso contratar alguém de forma extraordinária. E a semana de quatro dias reduz a rotação de trabalhadores; ninguém quer sair da empresa – e isto é sobretudo importante para empresas de topo, com recursos humanos qualificados (reduzem-se despesas, evitam-se processos de contratação, de adaptação do novo trabalhador…). As empresas verificam que melhoram o negócio porque melhoram estas áreas todas.
ZAP – E a segunda base?
PG – É uma oportunidade para todos repensarem o trabalho, para reorganizarem a empresa. É como se houvesse um acordo entre gestão e trabalhadores: todos juntos vamos mudar processos, ou comprar máquinas, para fazer o mesmo, mas numa semana de quatro dias. Não se faz isso já porque reorganizar uma empresa é difícil.
ZAP – Defendes a regra já conhecida do 100-80-100. Ou seja, a semana de quatro dias mantém o salário e a produtividade (os números 100), embora passem a trabalhar 80 por cento do tempo.
PG – Sim…
ZAP – Mas o que dizes a quem acha que isso não é assim? “Se trabalho 80 por cento do tempo que trabalhava, vou produzir 80 por cento do que produzia”.
PG – Isso é uma visão muito contabilista. Não é isso que acontece. O que interessa é a produtividade da empresa, não do trabalhador. Algumas empresas aumentam meia hora ou uma hora por dia de trabalho, mas nem deve ser preciso por causa dos ganhos na produtividade por hora. Caso os ganhos de produtividade não apareçam (o que não deve acontecer), a empresa pode optar por moderação salarial – o que não significa cortar nos salários, mas sim moderar as subidas nos salários nos anos seguintes. O valor de emprego não é apenas o salário: são as condições de trabalho. E a empresa pode oferecer dias livres em vez de aumentar salários. Mas bem sei que isto são cenários mais complexos para quem não está ligado à Economia…
ZAP – Então o que achas da medida que se adoptou na Bélgica no início deste ano? Trabalhar quatro dias, mas mais horas por dia.
PG – É a “semana concentrada”. Na verdade, essa possibilidade já existe em Portugal, no Código Penal. Tem que ser por mútuo acordo e defendo que a iniciativa deve partir do trabalhador. Na Holanda, por exemplo, há muita gente que prefere trabalhar a tempo parcial e, se o trabalhador pede, a empresa aceita. Seria importante que a iniciativa partisse do trabalhador. É um caminho possível, mas é preciso colocar a liberdade no trabalhador. Trabalhar 10 horas por dia… Dizem-me que é muito intenso. Não é ideal, tem de haver redução no horário. Mas já há muitos trabalhadores que estão nove ou 10 horas por dia na empresa, em horas extraordinárias não pagas. Seria uma forma de legalizar, passando para este regime de semana concentrada.
ZAP – Vamos a outros países. Reino Unido: ontem (segunda-feira) começou uma experiência de semana de quatro dias em 70 empresas.
PG – É um movimento liderado por empresas, que querem experimentar. Sem subsídios do Estado.
ZAP – Em Espanha tem-se discutido essa alteração.
PG – É algo menos flexível, mais rígido. É um programa do Estado, que subsidia as empresas para ajudar na transição (comprar máquinas, por exemplo).
ZAP – E em Portugal?
PG – O Livre baseou-se no modelo espanhol para apresentar a proposta na Assembleia da República. O desenho do projecto português ainda está por se concretizar. Deverá passar por um grupo de trabalho, concertação social. Mas está dado o primeiro passo, num longo processo. Ninguém pede que as empresas mudem de um dia para o outro. Estas são as maneiras correctas: pôr os sindicatos e os empresários a pensar no tema, apoiar algumas empresas para verificarem os ganhos, ver os exemplos que vêm de fora… É preciso criar um plano e, daqui a uns anos, haver essa transição definitiva. Começar esta discussão é muito importante e este é o caminho certo.
ZAP – Achas que, quando voltarmos a falar em 2030, a semana de quatro dias será uma realidade generalizada em Portugal?
PG – Esta mudança não é uma vontade de um partido em maioria absoluta, por exemplo. A mudança deve envolver sociedade no geral. Se houver essa vontade, vai demorar no mínimo quatro a seis anos até estar generalizada. Pode ser mais rápido, mas aponto para quatro a seis anos. Três anos de discussão e testes… Acho que sim, que em 2030 já teremos um cenário generalizado de semana de quatro dias.