Cuba reprime meios de comunicação independentes com novo código penal

Yamil Lage / APF

A Assembleia Nacional de Cuba aprovou um novo código penal que mantém a pena de morte por vários crimes, pune críticas aos funcionários do governo com pena de prisão e torna ilegal que os meios de comunicação independentes recebam fundos do estrangeiro.

Esta é a última etapa de uma campanha governamental implacável, que pretende por um fim aos os protestos em massa do ano passado.

O novo quadro jurídico acrescenta várias novas definições de crime que abordam as atividades de oposição, a liberdade de expressão e a associação.

A proposta foi rapidamente aprovada por unanimidade numa sessão parlamentar, na qual o líder cubano Raúl Castro, que atualmente não detém qualquer posição oficial, esteve presente, segundo o Miami Herald.

O código penal, que entra em vigor em três meses, “penaliza as violações mais graves relacionadas com o uso abusivo dos direitos constitucionais, participação em atividades subversivas e ataques às tecnologias de informação e comunicação”, explicou Rubén Remigio Ferro, Presidente do Supremo Tribunal cubano, que supervisionou os julgamentos contra os manifestantes a 11 de julho de 2021.

Muitas disposições do novo quadro legal “parecem fazer parte de um esforço para destruir as poucas liberdades em Cuba, que tornaram possíveis os recentes movimentos dissidentes no país, incluindo os históricos protestos do 11 de julho”, salienta Juan Pappier, da Human Rights Watch.

Um total de 23 crimes, a maioria deles relacionados com ações contra a segurança do Estado, podem agora ser punidos com pena de morte. Um documento oficial que explica as mudanças na nova lei, refere que as autoridades cubanas decidiram deixar a pena de morte nos “os crimes mais graves”, e condenar a prisão perpétua em “crimes comuns”, como a violação ou o abuso de crianças.

Críticas ao governo, aos seus altos funcionários — incluindo Ferro — e ao socialismo nos meios de comunicação social ou noticiários pode colocar cubanos na prisão até cinco anos, sob a acusação de “propaganda contra a ordem constitucional“.

Uma lei semelhante foi aprovada pelo governo autoritário da Nicarágua, que obriga as organizações independentes que recebem fundos do estrangeiro a registarem-se como “agentes estrangeiros”. Neste caso, as autoridades cubanas foram mais longe e declararam como crime aceitar o financiamento de qualquer pessoa ou entidade estrangeira para conduzir “atividades contra o Estado e a sua ordem constitucional”.

O código penal anula mesmo a Constituição cubana, condenando um crime punível até 10 anos de prisão para quem exercer os direitos constitucionais para mudar o governo ou a constituição.

A lei encerra qualquer espaço legal para uma mudança política pacífica em Cuba. Parece também ser uma resposta aos acontecimentos de novembro do ano passado, quando uma petição feita pelo grupo de oposição Archipielago organizou uma manifestação pública anti-governamental, e invocou um artigo constitucional que reconhece o direito a manifestações pacíficas.

O novo código também mantém ou expande várias questões controversas na lei atual, incluindo a prisão para quem deixa a ilha “ilegalmente”, por exemplo, numa jangada; a utilização de linguagem ofensiva contra o presidente da ilha, Miguel Díaz-Canel, e outros altos funcionários, ou a publicação de “notícias falsas”.

Apesar dos protestos internacionais, o código penal também mantém a idade legal da maioridade aos 16 anos, uma disposição do atual código que permite aos procuradores públicos emitir sentenças de prisão a vários manifestantes de 11 de julho com idade inferior a 18 anos.

O código aprovado também assegura que as instituições estatais e as organizações políticas patrocinadas pelo governo não enfrentam responsabilidade, uma vez que um dos artigos as protege da responsabilidade legal.

As autoridades chamaram ao novo código “moderno”. Ativistas e jornalistas independentes chamaram-lhe um ataque às liberdades civis e políticas, “um código penal para nos amordaçar a todos”, escreveu Yoani Sánchez, jornalista cubana.

O Comité para a Proteção dos Jornalistas, um grupo independente com sede em Nova Iorque, também condenou o novo código como sendo uma ameaça aos meios de comunicação independentes em Cuba.

“Estamos alarmados com a aprovação do novo código penal cubano, que criminaliza ainda mais o trabalho dos jornalistas independentes na ilha, proibindo o financiamento estrangeiro e colocando a sua existência e sustentabilidade em sério risco”, comentou Ana Cristina Núñez, investigadora da organização.

“Com o novo código penal, as autoridades cubanas continuam a construir um intrincado e perverso regime legal de censura e a dar um golpe devastador aos jornalistas independentes”, acrescenta.

Na passada segunda-feira, vários ativistas e exilados cubanos manifestaram o desagrado e desapontamento com o anúncio da administração Biden de mudanças na política de Cuba, apenas um dia depois de o novo código penal ter sido aprovado.

Anamely Ramos, curadora de arte cubana ligada ao movimento artístico dissidente San Isidro, a quem foi recentemente recusada a entrada no país, sublinhou que a administração recompensou o governo da ilha com a atenuação de algumas sanções, apesar da repressão em curso.

“Novo código penal em Cuba para melhor reprimir. Mais de 1.000 prisioneiros políticos. Menores condenados a mais de 15 anos de prisão. No meio disto, os Estados Unidos decidem apostar novamente no alívio de sanções. Que vergonha”, conclui Anamely Ramos.

Alice Carqueja, ZAP //

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