Os rappers russos estão na vanguarda dos protestos contra a guerra na Ucrânia. Entre críticas a Vladimir Putin, Oxxxymiron angariou quase 200 mil dólares.
A música tem um poder que vai além da superficialidade de apreciar uma canção. No 25 de Abril de 1974, “Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso, foi escolhida pelo Movimento das Forças Armadas como segundo sinal para colocar os militares revoltosos em marcha, iniciando a afamada Revolução dos Cravos.
O 66.º Festival Eurovisão da Canção terminou recentemente com a vitória da Ucrânia. A canção “Stefania”, da Kalush Orchestra, marcou a primeira vitória de uma música de hip hop em toda a história do festival.
Na atuação, a banda ucraniana Kalush Orchestra pediu ajuda para o seu país bem como para a cidade de Mariupol e para a siderurgia Azovstal, na sequência da invasão russa.
“Por favor ajudem a Ucrânia, por favor ajudem Mariupol, por favor ajudem Azovstal”, disse o líder do sexteto, Olenh Psink, numa mensagem em que apelava à intervenção internacional para ajudar o grupo de soldados que estava então barricado na fábrica.
A canção “Stefania”, com a sua fusão de elementos folclóricos, eletrónicos e hip hop, tornou-se um hino à pátria e era uma das favoritas para vencer o festival.
Na Rússia, onde os protestos contra a guerra são recebidos com enorme repressão, o rap — um estilo musical pertencente à cultura do hip hop — tem estado na vanguarda do ativismo contra aquilo que tem acontecido na Ucrânia.
Desde o aparecimento do rap na Rússia, há cerca de 40 anos, os olhos tem estado postos na sua vertente antissistema. Os artistas testemunharam tanto a chegada de Vladimir Putin quanto a ascensão de um regime autoritário, realça o The Insider.
A certa altura, as suas declarações tornaram-se tão provocativas que o Centro E (o departamento de combate ao terrorismo do serviço de segurança doméstico) ganhou interesse nestes artistas.
Um dos rappers mais populares, Oxxxymiron, criticou fortemente a agressão militar russa na Ucrânia e anunciou uma série de concertos chamados “RAW – Russians Against War” [Russos Contra a Guerra], em Istambul, Londres e Berlim.
Durante os concertos, Oxxxymiron manifestou-se contra a guerra e recolheu donativos para apoiar crianças ucranianas afetadas pela guerra. Foram angariados quase 200 mil dólares nesses três concertos.
A banda Ic3peak viu os seus concertos estrategicamente banidos da Rússia desde 2018. Ainda assim, a banda continuou a conseguir atuar pontualmente em território russo, a seu próprio risco. Nas suas músicas, em vez de sangue, “corre petróleo negro nas veias do país”, e os homens de uniforme “cheiram a morte”.
A sua música “No More Death” tornou-se uma espécie de hino dos manifestantes durante os protestos de 2019 contra o Governo. O videoclipe no YouTube conta com mais de 120 milhões de visualizações.
Noize MC é outra rapper em que, no seu mais recente álbum, “Coming to Town”, canta sobre o atual contexto repressivo, com um tom de melancolia e desesperança. Contra a vontade das autoridades russas, no final de 2021, Noize conseguiu lotar dois estádios num fim de semana.
Quase imediatamente depois do início da guerra, o artista voou para a Europa, onde esteve em vários concertos anti-guerra.
Em Berlim, no concerto Sound of Peace, cantou três músicas com lágrimas nos olhos. A sua mais recente canção “Ausweiss” ataca os russos que não se opõem à guerra.