A decisão é inédita em Portugal, visto que o estatuto de vítima costuma ser apenas aplicado em crimes violentos e de violência doméstica.
O juiz Ivo Rosa concedeu o estatuto legal de vítima a 94 lesados do Banco Espírito Santo, que lhes permite reduzir o pagamento de custas judiciais, pedir o reembolso das despesas que já tiveram com o processo, e eventualmente receber indemnizações que o tribunal decida sem terem de esperar pelo desfecho dos recursos dos arguidos, escreve o Público.
Assim, será a primeira vez que o estatuto de vítima será aplicado num caso de crime económico-financeiro em Portugal, já que este habitualmente se reserva para crimes violentos. Por isso mesmo, o Ministério Público manifestou-se contra o seu uso em relação aos lesados do BES.
Houve ainda o caso de uma lesada de 74 anos que pediu o estatuto de vítima especialmente vulnerável depois de ter investido 130 mil euros em obrigações no BES e por receber uma pensão de 283 euros, que diz não chegarem para pagar os cuidados médicos de que precisa.
O juiz negou o pedido porque a mulher não apresentou provas e porque o Tribunal Central de Instrução Criminal não tem competência para avaliar a responsabilidade civil dos arguidos quando ainda não houve uma condenação.
No entanto, Ivo Rosa concedeu o estatuto de vítima a 94 lesados, baseando-se numa directiva europeia de 2012 que protege as vítimas de qualquer crime. “Perante a clareza da letra da lei em falar em ‘vítimas de criminalidade’ ou ‘no âmbito da prática de um crime’ não é possível concluir que o legislador teve apenas em mente a criminalidade violenta, a criminalidade contra as mulheres, o tráfico de seres humanos, etc”, escreve o magistrado.
Ivo Rosa afirma ainda que “excluir certos crimes do âmbito de aplicação do estatuto da vítima seria permitir ao aplicador da lei a possibilidade de considerar um pensamento legislativo que não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal” e lembra que algumas das acusações integram a criminalidade organizada.
A decisão pode ainda ser revertida, caso Ricardo Salgado apresente um recurso ao despacho do juiz e este seja aceitado pelos tribunais superiores. Os lesados vão ainda apresentar um pedido de arresto de bens do ex-banqueiro no valor de 250 milhões de euros, que deve abrangir contas bancárias, casas, terrenos, carros, obras de arte e relógios.