Baseado numa investigação de seis anos, “A traição de Anne Frank” foi publicado em janeiro de 2022, mas está a gerar alguma polémica.
Segundo a Deutsche Welle, um e-mail enviado pela editora holandesa sugeriu que a autora e os investigadores deveriam ter maior “senso crítico”.
A editora holandesa Ambo Anthos, que publicou o livro “A traição de Anne Frank“ a 18 de janeiro, informou que suspendeu a impressão da obra devido a possíveis falhas na investigação
A editora aponta que o notário judeu Arnold van den Bergh teria sido o responsável por denunciar a família da adolescente alemã, em Amsterdão, em 1944.
Num e-mail enviado esta segunda-feira aos responsáveis pela pesquisa e pela produção do livro, a empresa sugere que a investigação que resultou na obra pode conter falhas. E destaca que eles deveriam ter maior “senso crítico”.
“Aguardamos respostas dos pesquisadores para as perguntas que surgiram e estão a atrasar a decisão de imprimir outra edição. Oferecemos as nossas sinceras desculpas a qualquer pessoa que se possa ter se sentido ofendida pelo livro“, escreveu a empresa, não divulgando mais detalhes.
Rosemary Sullivan, a escritora canadense e autora do livro, assim como a empresa que editou o livro em inglês, a HarperCollins, com sede em Nova York, também se recusaram a comentar a situação.
Um dos investigadores citados no livro, Pieter van Twisk, disse à agência de notícias Reuters que viu o e-mail e que a equipa da qual fez parte ficou “completamente surpresa” com a mensagem.
“Tivemos uma reunião na semana passada com os editores e conversamos sobre as críticas que sentimos que poderia haver. Concordamos que deveríamos apresentar uma resposta detalhada em alguns dias”, disse Twisk.
No fim de janeiro, as informações contidas no livro já tinham sofrido críticas por parte dos representantes da Fundação Anne Frank, com sede em Basileia, na Suíça, criada pelo pai da adolescente em 1963.
“A obra contribui não para desvendar a verdade, mas sim para confundir e, além disso, está cheia de erros. A prova não é conclusiva. Estão a disseminar uma afirmação que depois, para o público, se torna um tipo de facto, a fugir para teoria da conspiração”, comentou John Goldsmith, presidente da organização.
Além de Goldsmith, o historiador Erik Somers, do Instituto para Estudos sobre Guerra, Holocausto e Genocídio, na Holanda, também tem criticado a pesquisa e o livro.
Johannes Houwink ten Cate, professor de estudos sobre o Holocausto e genocídio em Amsterdão, disse ao jornal holandês NRC Handelsblad que não existiam evidências de que o Conselho Judaico tenha elaborado listas de moradas de esconderijos para judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
“Nunca vi nada disso em 35 anos de pesquisa. Grandes acusações exigem muitas provas, e não há nenhuma”, afirmou, acrescentando que o próprio Van den Bergh esteve escondido durante grande parte de 1944.
O livro é o resultado de uma investigação que envolveu um agente aposentado do FBI e cerca de 30 outros profissionais, entre historiadores, criminologistas e especialistas em dados. Eles identificaram o notário judeu Arnold van den Bergh como o principal suspeito de revelar o esconderijo da família de Anne Frank em Amsterdão.
Durante seis anos, os pesquisadores tentaram chegar a alguma conclusão sobre como os nazis conseguiram encontrar os Frank, após eles terem permanecido escondidos por pelo menos dois anos numa área anexa de um armazém, próximo a um canal da capital holandesa.
O livro relata justamente os detalhes da investigação, que não foi feita com a intenção específica de acusar alguém, mas sim de tentar resolver o mistério histórico de quem entregou a família à Gestapo.
O notário Van den Bergh era membro do Conselho Judaico, por isso tinha muitos contatos e foi inicialmente protegido de ser deportado.
No entanto, em 1944, a sua proteção foi removida. Por isso, num ato de desespero, ele alegadamente divulgou os esconderijos de várias famílias judaicas, com o objetivo de se salvar a si próprio.
A principal prova é a cópia de uma carta anónima que Otto Frank, pai da adolescente, recebeu em 1946.
Nela, era mencionado o nome do notário. Segundo a equipa de investigação, essa pista era conhecida, mas ainda não tinha sido analisada de forma mais aprofundada.
Anne Frank e outros sete judeus foram descobertos pelos nazis a 4 de agosto de 1944 e foram todos deportados.
Anne morreu no campo de Bergen-Belsen, no estado alemão da Baixa Saxónia, em 1945. Logo após ser detida, no entanto, ela foi levada com os restantes membros da família para Auschwitz, na Polónia.
Apenas o pai de Anne Frank sobreviveu à perseguição nazi. Miep Gies, secretária de Otto Frank, foi quem guardou o diário da adolescente e o repassou ao empresário alemão depois do fim da Segunda Guerra Mundial.
Até morrer, em 1980, Otto Frank dedicou-se ao legado da filha e publicou a primeira edição do “Diário de Anne Frank” em holandês, sob o título Het Achterhuis (“A casa dos fundos”), em 1946.
A primeira tradução para o alemão foi publicada em 1950. Dez anos mais tarde, o livro já tinha alcançado circulação mundial de mais de 3,5 milhões de cópias.
O “Diário de Anne Frank”, que retrata principalmente o período em que a adolescente permaneceu escondida dos nazis, foi traduzido para 60 idiomas, sendo, até hoje, um dos livros mais lidos do mundo.