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Cerca sanitária em Odemira revela lacunas na ligação entre entidades

Luís Forra / Lusa

O resultado da intervenção da GNR no controlo dos que pretendem trabalhar nas explorações agrícolas sem ter realizado teste à covid-19 não é comunicada à ACT.

O porta-voz do Comando Territorial de Beja da GNR disse ao Público que as brigadas desta força militar fiscalizaram à entrada das freguesias sujeitas a cerca sanitária, um total de 792 trabalhadores e interditou a entrada a 155.

Segundo o Público, alguns traziam um teste rápido de antigénio (TRAg), mas que “não foi feito na presença dos elementos da GNR” enquanto outros não tinham a comprovação de o ter realizado, nem constavam nos registos da GNR.

O porta-voz da GNR de Beja esclareceu que à força militarizada compete apenas “fiscalizar o controle de acesso” às áreas sujeitas a cerca sanitária

No entanto, as entidades empregadoras dos trabalhadores agrícolas que pretendam entrar nas freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve para prestação de trabalho sazonal têm de transmitir à Direção-Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo (DRAP) os pedidos de acesso desses trabalhadores.

Quando a empresa não comunica à DRAP a identificação dos que lá trabalham, estes não passam da zona de controlo de entradas.

Carlos Graça, diretor da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), disse desconhecer o resultado da intervenção da GNR. “Não tenho reportado nenhum caso concreto de trabalhadores que não foram sujeitos a teste”, referiu o inspetor da ACT que diz estar no terreno em ações de fiscalização de quem trabalha no sector agrícola e da construção civil.

Relativamente aos 155 trabalhadores que a GNR recusou a entrada nas freguesias de S. Teotónio e Longueira/Almograve, “nós atuaremos mas precisamos de informações das autoridades”, mas subsiste aqui uma lacuna: “Não sei se a ACT tem de ter acesso às listas das empresas”, interroga-se o porta-voz da GNR.

Estabelecimentos dão alimentos aos imigrantes impedidos de trabalhar

De acordo com o Expresso, alojamentos e restaurantes que tiveram de encerrar devido à cerca sanitária avançaram uma ação solidária reunindo mais de uma tonelada de alimentos para dar a trabalhadores agrícolas da região que ficaram sem salário e dinheiro para comida na sequência dos surtos de covid.

A iniciativa partiu dos hotéis, restaurantes e outras empresas turísticas no concelho de Odemira, forçados a encerrar devido à cerca sanitária, e através da associação Casas Brancas

“A junta de freguesia de Vila Nova de Milfontes deu-nos a indicação de que havia filas de migrantes a pedirem comida, eles não estão a receber por estarem privados de trabalho”, conta Mónica Mcguill, presidente da associação Casas Brancas.

“Apercebemo-nos do problema e juntámos dinheiro para ajudar estas pessoas, que estão a ser vítimas duas vezes com esta situação”, diz a responsável.

A Casas Brancas – Associação de Turismo de Qualidade do Litoral Alentejano e Costa Vicentina reúne mais de 60 associados, entre turismos rurais, restaurantes e atividades turísticas, mas a iniciativa solidária com os imigrantes alastrou a todas as 275 empresas turísticas que existem nas duas freguesias afetadas pela cerca sanitária.

Odemira identifica mais de 300 trabalhadores a viverem sem condições

As autoridades já identificaram mais de 100 alojamentos para trabalhadores agrícolas no concelho de Odemira (Beja), onde vivem mais de 300 pessoas, em situação de sobrelotação ou insalubridade, revelou hoje o presidente da câmara.

“Estamos perante uma situação já identificada de mais de uma centena de lugares”, pelo que a resolução do problema “é um trabalho que levará algum tempo”, afirmou o presidente do Município de Odemira, José Alberto Guerreiro.

Segundo o autarca alentejano, que falava em conferência de imprensa, em Odemira, o total de pessoas que habita estes alojamentos sem condições rondará “um número superior a 300”.

“À medida que as vistorias se vão realizando, muitas pessoas têm ajustado a sua condição e muitos arrendatários têm inclusivamente reorganizado os espaços”, realçou, mostrando-se convicto de que “não serão necessárias tantas vistorias”.

José Alberto Guerreiro disse acreditar que, na sequência das vistorias e da visibilidade que tem sido dada aos problemas sociais, “alguns espaços” de alojamento vão voltar a “ter a condição natural de que já dispunham”, isto é, vão deixar de estar sobrelotados.

Admitindo que “não será possível realojar todas as pessoas nesta fase”, o autarca considerou que a criação de melhores condições de habitabilidade para os trabalhadores terá que ter “uma articulação especial” entre empregadores e entidades.

“O nosso objetivo é que tudo corra com tranquilidade e temos tido o apoio de entidades essenciais, como a Segurança Social e o Alto Comissariado para as Migrações, até porque toda esta situação tem que ser acompanhada [por] tradutores”, assinalou.

O autarca argumentou que “a realidade” da habitação em Odemira alterou-se nas últimas semanas, o que justificou com “o abandono do território” por parte de “alguns dos grupos que operavam na situação da legalização de cidadãos que tinham o objetivo de chegar ao espaço Schengen”.

“Isso é perfeitamente claro e julgo que foi um processo que libertou imensos espaços de habitação”, admitiu, vincando que este “negócio” rendia “tanto a tanta gente” que era difícil que os espaços ficassem disponíveis para arrendamento.

Questionado pela agência Lusa sobre o número de infetados pelo coronavírus SARS-CoV-2, o autarca adiantou ter conhecimento de cinco pessoas de Odemira com covid-19 que se encontram na “Base do Alfeite”, em Almada (Setúbal), por não terem “condições no seu domicílio”.

Além desses, outros infetados estão a cumprir isolamento domiciliário, mas o autarca não soube precisar este número.

“Odemira assumiu, desde o início, a sua responsabilidade” de criar espaços para pessoas que precisam de local para cumprir o isolamento profilático, mas as pessoas com covid-19 “ficam à responsabilidade das autoridades de saúde”, sublinhou.

Questionado sobre a necessidade de apresentar comprovativos de teste negativo à covid-19 para um trabalhador entrar ou sair das freguesias onde vigora a cerca sanitária, como determina um despacho do Governo de sexta-feira, o autarca ironizou.

“Alguns [trabalhadores] testam na frente das autoridades. Sei que esse processo, entretanto, já foi interrompido” por ser “absurdo, mas, por outro lado, também é verdade que exigir um teste todos os dias para poder trabalhar é até ridículo”, quando, para levar o filho à escola, “não precisamos de fazer teste”, disse.

As freguesias de Longueira-Almograve e São Teotónio, em Odemira, estão com cerca sanitária, desde 30 de abril, por causa da elevada incidência de covid-19, sobretudo devido aos casos entre trabalhadores do setor agrícola, muitos deles imigrantes.

Na quinta-feira, em Conselho de Ministros, o Governo decidiu manter a cerca sanitária, mas com “condições específicas de acesso ao trabalho”.

A entrada ou saída das freguesias para o “exercício de atividades profissionais” e para o “apoio a idosos, incapacitados ou dependentes e por razões de saúde ou por razões humanitárias” depende da apresentação de comprovativo de teste PCR negativo realizado nas 72 horas anteriores ou teste rápido antigénio negativo realizado nas 24 horas anteriores.

ZAP // Lusa

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