O Conselho de Ministros aprovou, esta quinta-feira, a criação do Provedor do Animal e um conjunto de medidas para um tratamento autónomo e reforçado do bem-estar dos animais de companhia.
O Provedor do Animal ficará sob a direção do ministro do Ambiente e da Ação Climática e da ministra da Agricultura, refere um comunicado divulgado no final da reunião do governo.
Quanto ao conjunto de medidas aprovadas para o bem-estar dos animais de companhia, uma resolução aprovada pelo Governo institui um novo quadro de atuação, “prosseguindo uma visão que alicerce a melhoria da política pública em matéria de bem-estar animal, saúde pública, segurança e tranquilidade das populações”, adequada às melhores práticas internacionais.
As medidas exigem a cooperação e sinergia “dos organismos da administração direta e indireta do Estado, do poder local, das autoridades judiciárias e policiais, das associações representativas do setor, dos movimentos de proteção animal, dos detentores de animais e de todos os cidadãos”.
O conselho de Ministros aprovou também um decreto-lei que altera a orgânica do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) que terá a tutela do bem-estar dos animais de companhia.
Um comunicado do ministro do Ambiente, após a divulgação das medidas relacionadas com o bem-estar dos animais, dá conta que em Portugal há cerca de três milhões de animais de companhia registados.
O Programa Nacional para os Animais de Companhia vai instituir medidas de promoção do tratamento condigno dos animais de companhia, de combate a fenómenos como o abandono ou a superpopulação e de alternativas à institucionalização em alojamentos e assenta em 10 passos.
No âmbito do programa vai ser elaborado, ainda este ano, um regime geral de bem-estar dos animais de companhia, será feita uma revisão da legislação setorial e serão eliminados os custos de contexto injustificados para a prática das atividades económicas relacionadas com o bem-estar dos animais de companhia.
Está ainda prevista a criação de uma Estratégia nacional para os animais errantes, uma rede nacional de respostas para acolhimento temporário, um programa nacional de adoção de animais de companhia e um guia de procedimentos para gerir situações de acumulação de animais.
O Governo tem ainda previsto realizar ações de formação com os municípios, criar um Registo Nacional de Associações Zoófilas e instituir um prémio nacional para as melhores práticas em bem-estar dos animais de companhia.
A nota do Ministério do Ambiente sublinha que “competirá ao ICNF definir, executar e avaliar políticas de bem-estar, detenção, criação, comércio e controlo de animais de companhia, medidas a desenvolver em articulação com as entidades relevantes, em especial com os municípios e com as associações zoófilas”.
Veterinários consideram “erro histórico”
A Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) considerou “um erro histórico de consequências imprevisíveis” a transferência para o Ministério do Ambiente de competências relativas dos animais de companhia que até aqui eram do Ministério da Agricultura.
Em comunicado, a OMV apela ao Presidente da República e aos municípios para que revertam o que consideram “uma má decisão do Governo”.
“Esta alteração orgânica é desastrosa para a execução dos planos de controlo e para os sistemas de alerta de doenças e terá consequências graves para a saúde pública, nomeadamente a possibilidade de ressurgirem em Portugal doenças já erradicadas, como a raiva”, afirma o bastonário da OMV, Jorge Cid, citado no comunicado.
O responsável considera ainda que “o Governo ignorou a opinião de técnicos especialistas nacionais e internacionais, que consideraram, publicamente e de forma unânime, que a saúde das populações e dos próprios animais pode ficar em risco”.
A OMV recorda que a Assembleia da República tinha aprovado – com os votos favoráveis de BE, PEV, PSD, CDS e Iniciativa Liberal – um projeto de resolução do PCP que recomendava que esta reformulação orgânica não se efetuasse.
“Mais de 40 associações e confederações subscreveram uma carta aberta dirigida ao primeiro-ministro e ao Presidente da República, alertando para as consequências negativas que poderiam resultar desta transferência de competências”, sublinha.
A organização recorda que, mais recentemente, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), chamada a pronunciar-se sobre esta possibilidade – que terá “fortes repercussões” nas competências dos municípios em matéria de gestão de populações de animais errantes e salvaguarda da saúde pública e segurança das pessoas -, foi “altamente crítica sobre esta alteração”.
A OMV diz mesmo que a associação questionou inclusive a capacidade do ICNF “para lidar com matérias tão complexas e diversas do seu campo de atuação habitual”, e mostrou preocupação pelo afastamento da DGAV da definição de orientações estratégicas envolvendo “aspetos que vão desde a saúde pública à segurança de pessoas e bens”.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, lembra a Ordem, as oito doenças que representam maior risco para a saúde pública são as doenças transmitidas dos animais para os humanos (zoonoses), que representam 70% das doenças infecciosas surgidas nos últimos 30 anos, como a covid-19.
“Separar as competências de saúde e bem-estar animal em dois organismos autónomos, um para os animais de companhia e outro para os animais de produção, coloca em causa a saúde pública”, acrescenta o bastonário da OMV.
O responsável diz também que esta decisão “contraria as orientações de instituições europeias e internacionais sobre a matéria, desde logo a Organização Mundial da Saúde Animal e a Federação dos Veterinários da Europa, que encaram a organização dos serviços oficiais de veterinária como um fator de absoluta importância para a gestão e o controlo de crises sanitárias”.
Segundo Jorge Cid, a alteração orgânica com base em opções políticas contrárias às opiniões técnicas, “sem qualquer estudo ou planeamento, põe também em causa a segurança das populações”.
“O risco de assistirmos ao aumento do número de animais errantes e consequente registo de ataques a pessoas é significativo”, alerta.
A decisão, refere o representante, poderá também “afetar a reputação do país enquanto Estado-membro da União Europeia e a sua relação com os restantes Estados-membros, conduzindo à imposição de restrições às movimentações de animais de companhia do e para o estrangeiro”, o que, considera, “se revela mais danoso para a imagem de Portugal num momento em que o país preside ao Conselho da União Europeia”.
A Ordem dos Médicos Veterinários já pediu uma audiência junto da Casa Civil e do representante dos municípios portugueses.
// Lusa