O antigo administrador do BES e Novo Banco José Honório disse esta quarta-feira no parlamento que o antigo governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, lhe assegurou que teria lugar uma capitalização pública do banco caso houvesse problemas.
Na sua audição na comissão parlamentar de inquérito das perdas no Novo Banco imputadas ao Fundo de Resolução, José Honório explicou que inicialmente não fazia parte dos seus planos ir para o BES, mas que falou com o governador do Banco de Portugal (BdP), que lhe pediu que aceitasse por se tratar “de uma missão patriótica de superior interesse nacional”.
“O dr. Vítor Bento [antigo presidente do BES/Novo Banco] tinha-me dito no dia anterior mais ou menos as mesmas palavras, que era uma missão patriótica, que também lhe tinham colocado o assunto a ele dessa forma”, prosseguiu.
Honório disse que Carlos Costa “insistiu” para que aceitasse, tendo depois feito uma pergunta ao então governador: “Como é que está o banco?”. “Eu do banco sabia zero. O senhor governador disse-me aquilo que era público dos comunicados”, disse José Honório, referindo que Carlos Costa lhe transmitiu que o banco estava “bem”, tinha “um buffer [almofada] de capital” e para estar “tranquilo”.
“E eu fiz uma segunda pergunta: e se houver qualquer coisa, qualquer evento, superveniente que o senhor governador não contemple neste momento e que não esteja à espera, o que é que vai acontecer?”, disse Honório. Carlos Costa disse para não estar “preocupado” porque “aí temos a linha de recapitalização pública do banco”, tendo depois aceitado ir para o BES.
O antigo responsável disse também que no momento da reunião de 1 de agosto no BdP, dias antes da resolução do BES, a administração do banco foi surpreendida pela medida de resolução.
“Para mim e para os meus colegas era um facto completamente novo, nenhum de nós sabia exatamente o que isso era, não tinha ideia nenhuma, nunca tínhamos ouvido falar nisso até porque todos os comunicados do Banco de Portugal até essa altura falavam sempre de que estava disponível a linha para recapitalização pública” da troika.
“Deram-nos um paciente em cuidados em intensivos mas sem os mecanismos para reabilitar”, disse.
Perante o que, segundo Honório, Carlos Costa classificou como uma cisão, o antigo administrador do BES e Novo Banco disse que já tinha feito várias cisões de empresas, mas “nenhuma com a complexidade do grupo Banco Espírito Santo, e muito menos num fim de semana”.
“E o senhor governador disse-me: ‘Não esteja preocupado, porque nós e a PwC vamos tratar de tudo, esteja tranquilo'”.
Interpelando Carlos Costa sobre uma possível ajuda por parte dos quadros do Novo Banco nesse processo, o governador disse, segundo Honório, para ter “as pessoas de prevenção se for preciso”.
Questionado pelo presidente da comissão de inquérito, Fernando Negrão, como compatibilizava as declarações de Carlos Costa acerca do “interesse nacional” para o atrair para o BES com a atitude de “desdramatizar” o problema, Honório disse que era “uma pergunta de resposta difícil”.
“Eu ainda hoje quero distinguir entre o dr. Carlos Costa pessoa e o dr. Carlos Costa governador”, dizendo que como pessoa tem “caráter e é uma pessoa séria” e como governador “é uma pessoa que só pode refletir aquilo que é a decisão de um órgão de que ele era o expoente máximo – era o governador -, mas que era o conselho de administração do Banco de Portugal”, afirmou. “Para mim, quando o senhor governador está a falar comigo, ele é a voz do Banco de Portugal”.
Banco não terá registado todas as perdas até ter capital
José Honório sugeriu que a instituição, depois da sua saída e até 2017, não registou todas as perdas até ter acesso a capital que as pudesse cobrir.
Questionado pela deputada Mariana Mortágua se “houve uma política definida do Novo Banco” e “com o conhecimento do Banco de Portugal e dos auditores para não haver registo de perdas até haver capital para poder haver registo de perdas”, Honório anuiu. “Eu penso que não podemos tirar outra conclusão. Ou seja, sem poder dizer que é essa, eu não consigo tirar outra que não essa”, respondeu.
Honório acrescentou ainda que se tivesse aceitado ficar “na administração do Novo Banco depois de setembro”, teria de “ter estado de acordo com tudo isto”.
Anteriormente, o gestor já tinha questionado “porque é que a Deloitte diz que entre 4 de agosto de 2014 e 31 de dezembro de 2018 a carteira de créditos vencidos do Novo Banco aumentou 2,5 mil milhões de euros”, de acordo com dados conhecido no ano passado.
“Porque é que não achamos estranho que só em 2017 e 2018 é que houve redução dos NPL [crédito malparado] e por que via? Por via da alienação e pela via do write-off”, prosseguiu. Mais tarde, questionou por que motivo “só no relatório do Novo Banco de 2018 é que nas políticas de gestão estão explicitados os critérios para fazer um write-off e até lá nunca esteve?”.
“Um critério de boa gestão é que deva estar. Isso faz parte do sistema de controle interno”, referiu. “O banco teve as contas de abertura auditadas. E no final vou vender o banco à Lone Star e em que vendo 75% por zero com o compromisso de lá porem 1.000 milhões?”, voltou a interrogar-se, concluindo que “alguma coisa não está certa”.
“Ou as contas de trás estavam todas erradas, e alguém se enganou a emitir pareceres, e quando digo alguém digo gente que sabe o que está a fazer, quer do conselho fiscal quer da sociedade revisora de contas”, dizendo também que “isto nunca é questionado”, e apenas “o valor do que é vendido”.
O ex-administrador disse também ser “evidente” que “a Ongoing devia estar imparizada a 100%” nas contas do banco, mas que não havia capital. “Há restrições de capital. As coisas têm que ser feitas com os recursos que se têm. Que há consciência de que as coisas não estavam completamente bem, só podia haver. Não podia haver outra”, disse.
Questionado sobre a solução adotada com a resolução do BES, Honório disse que “claramente” não foi a melhor opção. “Se me perguntam se eu acho que a resolução foi o melhor caminho, eu acho claramente que não”, disse.
Honório classificou de “pecado capital” a não separação “entre a figura do acionista e do regulador”, algo que “inquinou de sobremaneira a relação saudável, de confiança que deveria existir entre a administração de uma entidade e o seu acionista e a capacidade também do seu acionista contribuir para ajudar a resolver problemas”.
ZAP // Lusa