O primeiro-ministro de Itália demissionário, Giuseppe Conte, testemunhou esta quinta-feira diante da justiça que a decisão de bloquear os portos italianos a migrantes em 2019 foi da responsabilidade do então ministro do Interior, Matteo Salvini, atualmente suspeito de sequestro.
Giuseppe Conte foi ouvido por um juiz, na qualidade de testemunha, no âmbito de um processo preliminar que envolve o ex-ministro do Interior e líder da extrema-direita italiana, Matteo Salvini, e que remonta a acontecimentos ocorridos em julho de 2019.
Nesse ano, entre os dias 27 e 31 de julho, Salvini impediu o desembarque de mais de 100 migrantes num porto italiano e manteve estas pessoas a bordo de um navio da Guarda Costeira italiana, o “Gregoretti”, durante vários dias no mar Mediterrâneo.
Estas pessoas tinham sido resgatadas em duas operações de salvamento realizadas pelo navio italiano a pedido de Malta.
Este processo preliminar, aberto em outubro passado na Catânia, na Sicília, vai decidir se Salvini irá a julgamento e responder pelos crimes de sequestro e abuso de poder.
O líder do partido de extrema-direita Liga quando integrou o executivo italiano, então numa aliança governamental que mantinha com o Movimento 5 Estrelas (M5S, antissistema) e na qual Conte assumia igualmente o cargo de primeiro-ministro, tutelava a pasta do Interior e era vice-primeiro-ministro.
Na altura, Salvini aplicou uma “política de portos fechados”, estratégia que impedia o desembarque de migrantes em território italiano e que, segundo sempre assegurou, foi aplicada para tentar pressionar o resto dos Estados-membros da União Europeia (UE) a aceitar a realocação destas pessoas que chegavam às costas italianas através da rota migratória do Mediterrâneo.
“O primeiro-ministro demonstrou uma grande colaboração, as suas respostas foram muito detalhadas”, afirmou o magistrado Nunzio Sarpietro. “Ainda não estamos a falar de crimes, estamos a falar de um procedimento para estabelecer se houve um crime”, precisou o juiz que veio da Sicília para ouvir o testemunho de Conte na sede do Governo em Roma.
A estratégia da defesa de Matteo Salvini é implicar Giuseppe Conte neste caso, argumentando que o bloqueio do navio foi uma decisão coletiva do então executivo em funções.
O atual ministro dos Negócios Estrangeiros italiano em funções, Luigi Di Maio (do M5S), na altura dos acontecimentos vice-primeiro-ministro ao lado de Salvini, será ouvido pelo juiz Nunzio Sarpietro no próximo dia 19 de fevereiro na Catânia. Outros ex-ministros foram ouvidos no passado dia 12 de dezembro.
Ainda sobre o depoimento de Conte, que durou cerca de duas horas e que foi realizado na presença do próprio Salvini, os advogados que representam os migrantes explicaram que, embora o primeiro-ministro italiano tenha falado de uma “metodologia comum sobre a política de migração”, o governante sublinhou que “bloquear a atribuição de um local de atraque seguro (…) foi uma decisão tomada pelo então ministro do Interior”.
“Para Conte, o método para autorizar os desembarques ficou a cargo do ministro do Interior”, acrescentaram os advogados.
Já a advogada de defesa do ex-ministro do Interior italiano, Giulia Bongiorno, expressou a sua satisfação ao explicar que “Conte reiterou o que Salvini sempre disse: que houve uma mudança na política migratória e que as realocações dos migrantes eram decididas antes do desembarque”.
O juiz Sarpietro não avançou, até ao momento, quando irá divulgar a sua decisão sobre este processo preliminar.
Este não é o único processo em que Matteo Salvini está envolvido.
O político é igualmente acusado por um tribunal em Palermo, Sicília, do sequestro de pessoas e de abuso de poder por ter recusado, em agosto de 2019, que cerca de uma centena de migrantes que estavam a bordo do navio humanitário “Open Arms”, bloqueado na altura ao largo da ilha de Lampedusa, pudessem desembarcar num porto seguro, neste caso, num porto italiano.
No âmbito deste processo, que foi iniciado em 9 de janeiro, está prevista uma nova audiência preliminar para 20 de março. Para o arranque destes procedimentos, o Senado italiano (câmara alta do parlamento) autorizou o levantamento da imunidade de Matteo Salvini que, caso o processo judicial avance, pode incorrer de uma pena de 15 anos de prisão.