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Prisões da Ásia têm cada vez mais mulheres. Muitas são vítimas do combate às drogas

As prisões do leste e do sudeste da Ásia registam a maior taxa mundial de mulheres presas, grande parte devido a crimes relacionados com drogas. Nas Filipinas, 53% das reclusas foram condenadas por esse tipo de delito, enquanto na Tailândia esse número sobe para 82% .

Uma dessas histórias é a Noor Yuni – nome fictício -, detida em 2018 ao aterrar em Hong Kong após as autoridades detetaram droga na sua mochila. Agora com 23 anos, a indonésia contou à CNN ter sido enganada pelo patrão, nigeriano, que lhe pediu que transportasse um pacote, prometendo que lhe pagaria mil dólares (cerca de 840 euros).

O pacote – que o patrão disse conter apenas roupas -, tinha na verdade dois quilos de metanfetaminas, que equivaliam a cerca de 140 mil dólares (aproximadamente 118 mil euros). A jovem, na altura com 21 anos, acabou por ser detida em Hong Kong sob suspeita de tráfico de drogas, crime que, naquela região, pode levar à prisão perpétua.

De acordo com a CNN, o combate às drogas na Ásia teve um enorme impacto sobre as mulheres. Os criminologistas concordam que o aumento no número de reclusas não se deve a um crescimento na atividade criminosa por parte das mulheres, mas a penas mais duras para crimes de drogas de baixa gravidade.

Embora não existam dados exatos sobre a quantidade de mulheres que atuam no transporte de droga, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos tem demonstrado preocupação sobre seu o “encarceramento excessivo”, com as pesquisas e revelar uma relação crítica entre género, crime e justiça.

À CNN, Noor contou que ficou entusiasmada quando um amigo lhe falou sobre um lucrativo “trabalho de viajante”. “Queria aprender sobre o mundo”, disse a jovem, que na altura ambicionava estudar economia na universidade, mas que trabalhava como empregada de mesa para ajudar a família.

Quando recrutada, foi informada de que o trabalho começaria no Camboja e que o seu chefe local seria um homem chamado Peter. “Não suspeitava. Talvez não tenha sido corajosa o suficiente para fazer perguntas”, revelou, admitindo que devia ter verificado o pacote antes de viajar. O facto de não ter as impressões digitais na embalagem ajudaram-na na sua defesa.

Segundo a CNN, as drogas encontradas na sua mochila provavelmente provinham do Triângulo Dourado – nome dado às fronteiras que atravessam a Birmânia, a Tailândia e Laos -, um dos centros de tráfico mais movimentados do mundo.

Nos últimos anos, o campos de papoula deram lugar a laboratórios na selva, à medida que a demanda por drogas sintéticas supera a procura por heroína. Atualmente, o Sudeste Asiático é o epicentro do comércio global de metanfetaminas, chegando aos 61 mil milhões de dólares (à volta de 51 mil milhões de euros) por ano apenas na Ásia-Pacífico.

Um recente relatório do Linklaters for Penal Reform International revelou que Hong Kong tem um elevado controle de segurança e a região aplica penas severas para crimes relacionados ao tráfico de drogas. Penas entre 14 e 20 anos são comuns para traficantes, sendo das sentenças mais duras das 18 jurisdições analisadas no relatório.

“Parece não haver reconhecimento das razões pelas quais as mulheres” acabam recorrem ao tráfico de drogas, apontou o relatório, com o “envolvimento de baixo nível” raramente a ser considerado um fator atenuante.

Nos últimos sete anos, o padre John Wotherspoon, de 73 anos, tem ajudado mulheres condenadas por esse tipo de crime em Hong Kong, com o objetivo de impedir que os traficantes se aproveitem de “pessoas vulneráveis, que precisam de dinheiro e que podem ser enganadas”.

Em 2013, o padre começou a pedir às reclusas que escrevessem sobre as suas experiências, esperando que os seus relatos ajudassem a identificar quem as tinha contratado. Em alguns casos, viajou para as suas cidades de forma a reunir evidências que provassem a sua inocência. Muitas foram usadas em tribunal para ilibar as detidas.

Em 2018, Wotherspoon conheceu Yuni. Depois de ouvir a sua história, percebeu que havia encontrado uma nova pista sobre um traficante que havia recrutado outra indonésia, May Lazarus – nome fictício -, reclusa na mesma prisão de Hong Kong.

Naquele ano, Wotherspoon foi ao Camboja para encontrar Peter, na esperança de conseguir que este admitisse ter enganado as duas mulheres. Embora não tenha conseguido localizá-lo, partilhou as descobertas com as autoridades locais e de Hong Kong. “Espero que esta exposição tenha impedido que outros fossem enganados”.

May foi detida em dezembro de 2016, no Aeroporto Internacional de Hong Kong, por tráfico de drogas, aos 21 anos. As autoridades encontraram 2,6 quilogramas de metanfetamina dentro de uma mala que esta trazia de Abidjan, uma cidade da Costa do Marfim. Mas a sua jornada também começou no Camboja.

A princípio, May declarou-se culpada. Mais tarde alterou o seu testemunho, com o apoio da assistência jurídica gratuita de Hong Kong e de Wotherspoon. Após dois anos e meio à espera de julgamento, foi libertada em junho, quando um júri a considerou inocente. Quatro meses depois, voltou a Hong Kong como testemunha de Yuni, também libertada.

Apesar destes dois exemplos, um relatório de 2018 sobre a pena de morte no mundo revelou uma desigualdade generalizada de género nos processos contra mulheres por crimes de drogas, incluindo um acesso mais difícil a representação legal e fiança.

Outro estudo, de 2019, mostrou que essas mulheres geralmente transportam a droga a pedido de homens, sobretudo estrangeiros ou parceiros afetivos. A maior parte dessas reclusas apresenta baixa escolaridade e tem pouco recursos. Contudo, na decisão em tribunal há pouco espaço para considerar as circunstâncias individuais de cada processo.

Agora divorciada e a morar com os pais e com a filha, May sabe que a sua jornada poderia ter sido pior. Inicialmente o seu destino era Tawau, no leste da Malásia. No último minuto, Peter disse-lhe para ficar em Hong Kong. Se tivesse viajado diretamente para a Malásia “estaria acabada”, sublinhou.

A Malásia tem uma das mais elevadas taxas de pena de morte do Sudeste Asiático. Em fevereiro de 2019, 1.281 pessoas foram executadas, apontou a Amnistia Internacional, quase o triplo do número na Tailândia. Das 141 mulheres condenadas à morte na Malásia nesse mês, 95% deveu-se a tráfico de drogas. Além disso, 90% das mulheres condenadas à morte por esse tipo de crime eram estrangeiras.

“O acesso à justiça depende muito de quão fundos são os bolsos”, disse N Sivananthan, advogado que já representou centenas de acusados ​​por tráfico de drogas na Malásia.

À CNN, relatou o caso de Maryam Mansour, uma mãe solteira de Teerão, presa em Kuala Lumpur em 2010. A mulher estava acompanhada por um iraniano, que dizia ser seu namorado. A polícia encontrou 2,2 quilogramas de metanfetamina na sua bolsa. Durante o interrogatório, todas as perguntas dirigidas à mulher foram respondidas pelo homem. Documentos judiciais dizem que Maryam pediu um intérprete, mas o namorado, que falava inglês, não concordou. Este acabou por ser libertado sob fiança e, posteriormente, não foi possível mais localizá-lo, enquanto a mulher foi condenada à morte.

Em 2018, o Instituto Penang divulgou um relatório, baseado numa pequena amostra de casos de pena de morte, no qual foi sugerido que as mulheres condenadas por tráfico de drogas tinham menos hipóteses do que os homens de verem os seus casos anulados. O apelo final de Maryam também foi rejeitado e a mulher continua no corredor da morte.

Jeremy Douglas, representante regional do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), disse a organização tem pressionado para uma reforma nas penas, apelando a estas se concentrem nos “traficantes que dirigem o comércio de drogas” e não nos mensageiros “descartáveis ​​do crime organizado”.

ZAP //

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