Uma equipa internacional de especialistas concluiu que é a humidade do ar que descolora “O Grito” (1893) do norueguês Edvard Munch, apontando a chave para salvar esta icónica pintura do século XIX da degradação.
Especialistas de Itália, Alemanha, Estados Unidos, França e do Museu Munch liderados pelo Comité Nacional de Pesquisa (CNR) de Itália chegaram a esta conclusão depois de analisarem micro-amostras de tinta com a ajuda de um acelerador de partículas.
Estudaram a natureza das partículas e a forma como se degradam ao longo do tempo
A nova investigação, cujos resultados foram esta semana publicados na revista científica Science Advances, concluiu que o sulfeto de cadmio utilizado na cor amarela oxida e desbota com altos níveis de humidade, causando a degradação da tinta.
Os especialistas acreditam que a luz – que durante muito tempo foi apontada como a principal causa da de gradação desta obra, levando mesmo à conservação do quadro no escuro – tem uma influência mínima na preservação das cores.
Por isso, os especialistas apontam a chave para salvar o icónico “O Grito”: uma humidade do ar inferior a 45% é essencial para que a pintura possa ser exibida sem correr riscos de degradação, podendo a luz continuar nos valores normais.
“As microanálises permitiram-nos descobrir a principal razão do declínio do quadro, que é a humidade. Também descobrimos que o impacto da luz no quadro é reduzido. Estou muito satisfeita com os resultados do nosso estudo e a forma como pode contribuir para preservar esta famosa obra de arte”, afirma uma das coordenadoras do estudo, Letizia Monico, no texto publicado pela revista Science Advances.
“Estes resultados trazem novos conhecimentos e vão permitir fazer ajustamentos na estratégia de conservação do museu“, acrescentou Irina Sandu, cientista conservadora do Museu Munch, num resultado que sublinha a cooperação frutuosa entre ciência e arte.
“Este estudo mostra que a arte e a ciência estão indissociavelmente ligadas e que a ciência é capaz de ajudar a preservar obras de arte para que o mundo possa continuar a admirá-las por muitos anos”, disse ainda Costanza Miliani, cientista e co-autor do estudo.
Ciência aliada à preservação
O estudo, observa a agência Lusa, poderá ajudar a preservar esta importante obra do século XX, que se admite ter sido concluída em 1910, na posse do Museu Munch, e que é raramente exposta ao público, devido à sua progressiva degradação.
“O Grito” é uma das mais famosas pinturas da era moderna, tendo sido apropriada pela cultura pop em todo o mundo, o que tem contribuído para a sua reprodução em todo o tipo de objetos e vestuário, dede canecas a ‘t-shirts’.
A imagem tem sido interpretada como uma representação simbólica da ansiedade e angústia humanas, e é vista como uma interpretação pessoal do artista norueguês que abriu caminho à corrente expressionista.
Existem várias versões da obra de Munch (1863-1944), nomeadamente duas pinturas, duas obras em pastel, várias litografias e alguns desenhos e esboços. A primeira pintura, datada de 1893, encontra-se na Galeria Nacional da Noruega, também em Oslo.
O Museu Munch detém a segunda versão, de 1910, e um pastel que se acredita ter sido um estudo da original. Um segundo pastel, datado de 1895, na posse de um colecionador privado, foi vendido em leilão pela Sotheby’s, em 2012, por cerca de 120 milhões de dólares (perto de 111 milhões de euros, ao câmbio atual).
Os especialistas acreditam que, nas duas mais conhecidas versões da obra – as pinturas de 1893 e 1910 -, o artista procurou e encontrou as cores exatas para representar a sua própria experiência, misturando tempera, óleo e pastel, com pigmentos sintéticos brilhantes para dar origem às “cores gritantes” pelas quais ficou conhecido “O Grito”.
No entanto, os materiais usados para criar esta luminosidade especial que lhe deu fama têm sido um desafio para os técnicos de restauro preservarem as obras a longo prazo.
A versão de “O Grito” que pertence ao Museu Munch, em Oslo, é a obra que se encontra com mais problemas. Exibe sinais claros de degradação em diferentes áreas, nas nuvens da paisagem e no pescoço da figura central, não apenas pelos materiais usados, mas também devido ao roubo de que foi alvo em 2004, quando ficou desaparecido e provavelmente desprotegido durante dois anos.
Desde a recuperação do quadro, raramente foi exposto ao público, e encontra-se protegido no museu, com condições controladas de luz, temperatura (cerca de 18 graus) e humidade relativa (50%). O novo estudo traz uma nova esperança para salvar esta obra.