O Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, está a ser duramente criticado por figuras políticas e judiciais do país, após ter partilhado vídeos, na plataforma de mensagens Whatsapp, com a convocação para uma manifestação contra o Congresso.
Segundo a imprensa local, que teve acesso aos vídeos enviados pelo chefe de Estado na terça-feira a alguns dos seus contactos pessoais no Whatsapp, a manifestação decorrerá em 15 de março e foi convocada por movimentos de direita em defesa do Governo e contra o Congresso brasileiro.
“Ele [Bolsonaro] foi chamado a lutar por nós. Ele comprou a briga por nós. Ele desafiou os poderosos por nós. Ele quase morreu por nós. Ele está enfrentando a esquerda corrupta e sanguinária por nós. Ele sofre calúnias e mentiras por fazer o melhor para nós. Ele é a nossa única esperança de dias cada vez melhores. Ele precisa de nosso apoio nas ruas”, lê-se a legenda do vídeo com quase dois minutos, onde se ouve o Hino brasileiro como música de fundo e que mostra imagens de Bolsonaro a ser esfaqueado num ato de campanha, em 2018.
“Dia 15 de março vamos mostrar a força da família brasileira. Vamos mostrar que apoiamos Bolsonaro e rejeitamos os inimigos do Brasil. Somos sim capazes, e temos um Presidente trabalhador, incansável, cristão, patriota, capaz, justo, incorruptível. Dia 15 de março, todos nas ruas apoiando Bolsonaro”, conclui um dos vídeos a que o jornal Estadão teve acesso.
Juntamente com o vídeo, Jair Bolsonaro escreveu a legenda: “15 de março. General Heleno [ministro do Gabinete de Segurança Institucional] / Bolsonaro. O Brasil é nosso, não dos políticos de sempre”.
Os vídeos, cujos conteúdos são semelhantes entre si, foi enviado a membros do Governo e contactos pessoais de Bolsonaro, como é o caso do ex-deputado Alberto Fraga, que confirmou que recebeu o vídeo.
Na semana passada, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, acusou o Congresso de “chantagear” o Governo, declarações que geraram polémica. Em causa está a dificuldade no alcance de um acordo entre o Governo e o Congresso sobre a divisão de verbas dentro do chamado Orçamento impositivo.
Contudo, Jair Bolsonaro está a ser duramente criticado pela partilha do vídeo com a convocatória para a manifestação, que, segundo o juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil Celso de Mello, pode incidir no crime de responsabilidade.
“Essa gravíssima conclamação, se realmente confirmada, revela a face sombria de um Presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato, de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República, traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático”, sublinhou o magistrado, em comunicado.
“O Presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República”, concluiu o juiz. Segundo a revista Conjur, especializada em temas jurídicos, o crime de responsabilidade está previsto pela lei do impeachment, que pode levar à destituição do chefe de Estado.
Também o ex-concorrente de Bolsoanro nas presidenciais de 2018 pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad, se juntou às críticas, afirmando que “certamente” o chefe de Estado “nunca leu” a Constituição do país.
“Bolsonaro, ao que tudo indica, cometeu crime de responsabilidade previsto na Constituição que jurou respeitar, mas, certamente, nunca leu”, escreveu Haddad no Twitter.
Os ex-Presidentes da República do Brasil Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso posicionaram-se contra os atos de Bolsonaro, classificando o momento de “crise institucional de consequências gravíssimas” e de “agressão à liberdade”.
“A ser verdade, como parece, que o próprio Presidente escreveu no Twitter convocando uma manifestação contra o Congresso (a democracia) estamos com uma crise institucional de consequências gravíssimas. Calar seria concordar. Melhor gritar enquanto de tem voz, mesmo no Carnaval, com poucos ouvindo”, indicou Fernando Henrique Cardoso.
“Bolsonaro e o general Heleno estão a provocar manifestações contra a democracia, a constituição e as instituições, em mais um gesto autoritário de quem agride a liberdade e os direitos todos os dias. É urgente que o Congresso Nacional, as instituições e a sociedade se posicionem diante de mais esse ataque para defender a democracia”, frisou Lula no Twitter.
Esta manhã, sem citar diretamente o vídeo contra o Congresso, Jair Bolsonaro defendeu, nas suas redes sociais, que usa o Whatsapp para troca de mensagens de “cunho pessoal” e “qualquer ilação fora desse contexto são tentativas rasteiras de tumultuar a República”.
“Tenho 35 milhões de seguidores nos meus media sociais, (Facebook, Instagram, YouTube e Twitter) onde mantenho uma intensa agenda de notícias não divulgadas por parte da imprensa tradicional. Já no Whatsapp tenho algumas poucas dezenas de amigos onde, de forma reservada, trocamos mensagens de cunho pessoal. Qualquer ilação fora desse contexto são tentativas rasteiras de tumultuar a República”, escreveu Bolsonaro.
ZAP // Lusa