O facto de a igreja evangélica defender que o homem deve controlar a mulher apenas agrava o problema de violência doméstica, justificando os atos dos homens.
Jane (nome fictício) era membro da comunidade cristã evangélica da Austrália e, durante todo o casamento, ouviu muitos sermões sobre honrar a autoridade de um marido.
Estes sermões baseavam-se numa esposa submetendo-se à autoridade do marido em tudo, das finanças a onde e quando ela trabalhava. O homem deveria ser respeitado como chefe da família, porque esse era o “plano de Deus”.
Durante três décadas, o marido de Jane abusou dela sob o disfarce dessa noção de autoridade. Isolou-a, negou-lhe dinheiro e o uso do carro. Gritou com ela, chutou e deu-lhe um soco, disse que ela estava maluca e ameaçou matá-la.
Jane é agora participante de um estudo de caso e disse que, quando foi pedir apoio aos líderes da igreja, eles perguntaram o que ela estava a fazer de errado. Quando ela tentou escapar do abuso após a primeira década do casamento, eles disseram-lhe para continuar a frequentar a igreja com o marido.
Depois, disseram-lhe que voltasse para casa da família e resolvesse os seus problemas conjugais, e que essa seria a última vez que lhe davam aconselhamento sobre o assunto.
A investigação de Vicki Lowik e Annabel Taylor mostra que o caso de Jane é exacerbado pelo que é ensinado nas comunidades das igrejas evangélicas, criando um terreno fértil para a violência doméstica, a sua justificação e ocultação.
“Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo”. [Efésios 5:22,23]
Uma interpretação literal da Bíblia
Os cristãos evangélicos acreditam que as escrituras bíblicas são “verdade” que “requer a nossa submissão sem reservas em todas as áreas da vida”. Eles consideram as escrituras “inspiradas pelo Espírito Santo”; portanto, “é a autoridade suprema e final em todos os assuntos sobre os quais fala”.
O efeito do cristianismo evangélico na vulnerabilidade das mulheres à violência doméstica ainda está para ser medido por meio de uma investigação abrangente. Mas, por exemplo, a revelação do caso de Jane na televisão australiana desafia atitudes prejudiciais que colocam a doutrina religiosa sobre a segurança das mulheres.
Esta resistência à mudança cultural também é demonstrada pelos ensinamentos sobre a permanência do aliança no matrimónio, outra maneira pela qual as mulheres são potencialmente presas em casamentos violentos.
Os entendimentos tradicionais sobre a liderança masculina, tanto na família como na Igreja, foram tanto promovidos como ordenados por Deus. Isto significava que a autoridade dos homens e a subordinação das mulheres eram consideradas princípios “permanentemente vinculativos”.
Os cristãos evangélicos conservadores adotaram com entusiasmo isto como uma forma de resistência contra o movimento feminista e ainda hoje apoiam estes princípios.
Num estudo realizado com frequentadores da igreja em Cumbria, Inglaterra, uma em cada quatro entrevistadas já tinha sido vítima de pelo menos um dos seguintes comportamentos abusivos na sua atual relação: ser chutada, esmurrada, ameaçada por uma arma, isolada ou coagida sexualmente.
Considerando que a desigualdade de género é um fator bem conhecido de violência e abuso doméstico, vender a subordinação das mulheres como ordenada por Deus está a colocar em risco a segurança de mulheres cristãs conservadoras.
Mudar uma cultura tóxica
A cultura do privilégio masculino nas comunidades evangélicas cristãs pode ser mudada com mais mulheres posicionadas como ministras. Este movimento pode perturbar as noções de que os homens têm autoridade sobre as mulheres e os problemas que afetam as mulheres não podem ser esquecidos.
Estas comunidades também podem beneficiar de mais educação para entender que a violência, com ferimentos visíveis, não é a única forma de abuso doméstico. Se os líderes da igreja e as suas congregações puderem reconhecer o abuso em todas as suas formas, poderão tomar medidas mais apropriadas para oferecer apoio às vítimas.
Mais importante ainda, as congregações beneficiam de ouvir sermões que advertem a violência doméstica e aconselham as vítimas a procurar apoio e priorizar a sua segurança, em vez de sermões que exigem que as mulheres obedeçam aos seus maridos, mesmo em circunstâncias abusivas. Isto ajudaria a impedir que os cristãos usassem a Bíblia como desculpa para o seu comportamento.
Quando os autores dos crimes usam as suas crenças cristãs para justificar o abuso, mulheres como Jane não estão apenas a enfrentar danos físicos e mentais a longo prazo, mas estão a ser negadas de uma jornada espiritual que pode trazer paz e amizade dentro de uma comunidade que pense da mesma forma.
ZAP // The Conversation