O Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, defendeu esta terça-feira na Assembleia Geral da ONU a vocação do seu país como um promotor da “paz, justiça e prosperidade para todos”, num mundo turbulento e assinalado por uma vaga de “islamofobia”.
“No mundo atual, nem os direitos nem as responsabilidades são partilhados de forma apropriada, e a injustiça gera a desigualdade, a extravagância”, assinalou Recep Tayyip Erdogan, que alertou para a atual incapacidade da comunidade e instituições internacionais responderem “ao terrorismo, à fome, às alterações climáticas” e denunciou a crescente clivagem “entre ricos e pobres”.
Em tom enérgico, o Presidente islamita e conservador da Turquia referiu-se a um mundo que atravessa um período turbulento e assinalado por uma vaga de “islamofobia”, e ainda a necessidade de fornecer “mais eficácia” às Nações Unidos no combate global às alterações climáticas.
Erdogan interveio esta terça-feira no debate geral inaugural da 74.ª sessão da Assembleia-Geral da ONU, que decorre até 30 de setembro com a presença de cerca de 150 chefes de Estado e de Governo, incluindo do Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa.
Numa abordagem geral, questionou como é possível que metade do mundo se concentre nos avanços tecnológicos, enquanto a outra metade vive abaixo do nível da pobreza e se confronta com a fome. “O mundo é maior que cinco“, frisou, numa referência aos cinco países com armas nucleares. Apelou à desnuclearização total, ou permitir que todo o mundo tenha acesso às armas nucleares.
O desafio das migrações foi outra questão que decidiu privilegiar, também por afetar diretamente o seu país. “A Turquia é o país generoso do mundo em termos de ajuda humanitária, e que acolhe mais refugiados do mundo“, recordou Erdogan, a pensar nos “cerca de cinco milhões de refugiados” acolhidos no país, incluindo perto de 3,6 milhões de sírios.
Numa referência ao país vizinho, envolvido numa guerra desde 2011 “que já provocou um milhão de mortos”, definiu a Síria como um local que se tornou “no símbolo da injustiça”. “É uma guerra que tem de terminar“, asseverou, sem deixar de criticar a ajuda recebida da UE, através de diversas instituições e ONG e no âmbito de um acordo de 2016 sobre os refugiados, cerca de três mil milhões de euros, está muito aquém do prometido.
O líder turco e dirigente do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, vencedor das eleições legislativas desde 2002), socorreu-se de diversas fotos e mapas, que exibiu da sua tribuna, para justificar as suas posições sobre o “estado do mundo”, em particular na região do Médio Oriente.
Primeiro, mostrou a mediatizada foto de Alan Kurdi, a criança que morreu afogada em setembro de 2015 junto às costas turcas, “um caso já esquecido, mas continuam a existir milhares de Alan”.
Neste contexto, sublinhou as iniciativas de paz para a Síria que os líderes da Turquia, Rússia e Irão têm promovido, e sublinhou que a integridade territorial da Síria e a sua coesão política, a segurança na região de Idlib e a “eliminação do PKK e do YPG a leste do Eufrates” – numa referência às organizações rebeldes curdas da Turquia e da Síria – permanecem três questões decisivas.
Erdogan assegurou que o seu país foi o mais empenhado no combate ao grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico, e recorreu à posição oficial de Ancara, que inclui a resistência no rol das organizações terroristas. “Não será possível solução do conflito se não foram derrotadas todas as organizações terroristas“, disse, antes de defender a concretização da “zona de segurança” no norte da Síria.
O Presidente turco exibiu um mapa da “zona de segurança”, assegurou ser colocar aí “até dois milhões de refugiados”, e que podem subir aos três milhões. Na perspetiva de um acordo de paz na região, defendeu contactos com o Líbano e a Jordânia, apelou ao fim da crise humanitária na Síria, e abordou a questão da migração ilegal no Mediterrâneo.
A situação em Chipre, a ilha dividida do Mediterrâneo oriental, e na Palestina também mereceram uma atenção particular no seu discurso de cerca de meia hora. No primeiro caso, acusou os cipriotas gregos de prosseguirem “uma política injusta que impede a partilha do poder” e prometeu todos os “esforços até que seja garantida uma solução, e a segurança dos cipriotas turcos”.
O Presidente turco pronunciou-se contra as “nefastas intervenções no Iémen e Qatar” numa referência à Arábia Saudita, reforçada pelo caso de Jamal Khashoggi “brutalmente assassinado no ano passado”.
Erdogan, que discursou após a intervenção do Presidente egípcio, marechal Abdel Fattah el-Sisi, recordou o chefe de Estado que o antecedeu, Mohamed Morsi “que perdeu a vida [em junho passado] num tribunal de forma suspeita”, e considerou Khashoggi e Morsi “um símbolo sobre a necessidade de justiça e igualdade na região”.
A Palestina foi outros dos temas em destaque na intervenção do líder de Ancara, definido como um dos “exemplos mais dramáticos”. De novo socorrendo-se de um quadro com quatro mapas que representavam os territórios palestinianos entre 1947 e na atualidade, censurou a ineficácia da ONU e as sucessivas resoluções que condenem a ocupação israelita, mas sem resultados tangíveis.
“A independência do Estado da Palestina com base nas fronteiras de 1966 é a única solução”, defendeu. E sustentou que a atividade da agência humanitária da ONU para os refugiados palestinianos (UNRWA) permanece uma estrutura decisiva na região.
Erdogan também não esqueceu o Cáucaso do Sul para recordar que o Nagorno-Karabak, “território do Azerbaijão”, continua ocupado pela Arménia, a questão da Caxemira, onde defendeu “igualdade em vez de conflito”, o Mianmar (antiga Birmânia) e a defesa dos direitos do “perseguido povo rohingya”, e a situação de impasse no Afeganistão.
A “retórica xenófoba anti-islâmica” foi ainda definida pelo dirigente da Turquia como “das maiores ameaças para o mundo”, e apelou à “vontade e esforços comuns, como homens de Estado, para adotar uma retórica pública para erradicar estes fenómenos”, incluindo as perseguições a todas as religiões. Dirigindo-se em particular ao mundo islâmico, convidou os seus líderes para terminarem com a clivagem “entre sunitas e xiitas”.
Por fim, e na perspetiva da 75ª Assembleia-geral da ONU de 2020 que vai ser coordenada pela Turquia, desejou que Istambul se torne no local escolhido para as atividades de diversas agências das Nações Unidas.
ZAP // Lusa