A crise em Portugal aumentou a desigualdade entre homens e mulheres, com o país a regredir nos progressos alcançados, disse hoje à agência Lusa a investigadora Edna Costa, da Universidade Nova de Lisboa.
A conclusão faz parte de um trabalho de investigação que está a desenvolver e os primeiros resultados serão apresentados numa conferência sobre o Estado Social e austeridade que decorre na sexta-feira e no sábado em Lisboa (no Instituto Superior de Economia e Gestão, ISEG).
No trabalho, “O Estado Social e a Igualdade do Género: Portugal numa perspetiva comparada”, a investigadora admite que no acesso ao mercado de trabalho por homens e mulheres o país está praticamente ao mesmo nível dos países escandinavos, mas acrescenta que a crise veio aumentar as desigualdades, um problema para o qual não se estão a criar soluções.
É que, diz a investigadora, se no trabalho a mulher já parte em desvantagem, com salários mais baixos, em casa aumentam as assimetrias, recaindo sob as mulheres outros tipos de trabalho, das tarefas domésticas aos cuidados com os filhos, e cada vez mais com os pais ou outros parentes.
“A igualdade no mercado de trabalho não foi acompanhada pela igualdade na família”, admite Edna Costa à Lusa, para dizer que a crise teve consequências mais graves para as mulheres.
Consequências nas classes mais baixas, onde aumentaram os níveis de precariedade laboral, a segregação e a desigualdade. “A precariedade laboral feminina é mais acentuada, é mais difícil para as mulheres arranjar emprego e elas acabam em setores mais fragmentados”.
Nas classes médias a crise levou ao fim de “instrumentos para fazer face à conciliação, que eram a externalização de serviços”. A responsável explica que com a falta de dinheiro as famílias deixam de contratar quem lhes limpe a casa, deixam de pagar para lhe passarem a roupa a ferro, e é por norma a mulher quem acumula esses serviços.
“Por outro lado, esses serviços (limpeza ou engomadoria) eram prestados por mulheres e, por isso, há mais mulheres no desemprego”, diz, exemplificando com outro caso em que a austeridade aumentou a desigualdade do género: a falta de investimento do Estado nos apoios à infância e à terceira idade leva as mulheres a terem de assumir esse trabalho.
“Quando estamos numa sociedade na qual se assiste ao aumento da desigualdade, e se o Governo não tem uma estratégia compensatória, vamos atingir um poço sem fundo”, alerta a investigadora, acrescentando que o papel do Governo de atenuar as desigualdades foi cumprido nos últimos 40 anos.
“Houve um aumento imenso da qualidade de vida e da igualdade do género, mas hoje assiste-se a um retrocesso” e sem medidas de compensação há o perigo de regressar a essa altura, garante.
É que é mais fácil incutir mudanças através de políticas do que em traços culturais marcados, diz Edna Costa, que investigou também a situação na Grécia, Itália e Espanha, países igualmente a braços com períodos de recessão.
Apesar de notar que em todos eles a crise levou a um aumento da desigualdade entre homens e mulheres a investigadora salienta no entanto que em Portugal a situação ainda assim é melhor, porque, justifica, Portugal também tinha antes da crise uma situação melhor em termos de igualdade do género.
/Lusa