Na sua busca por exoplanetas – planetas para lá do nosso Sistema Solar – o telescópio Kepler da NASA trilha atrás da Terra, medindo o brilho de estrelas que podem, potencialmente, albergar planetas.
O instrumento identifica potenciais planetas em torno de outras estrelas, observando quedas no brilho estelar que ocorrem quando os planetas passam em frente, ou transitam. Normalmente, os programas de computador assinalam as estrelas com estas diminuições de brilho e então os astrónomos observam cada uma para decidir se realmente podem hospedar um candidato a planeta.
Ao longo dos três anos da missão K2, já foram observadas 287.309 estrelas, e dezenas de milhares mais juntam-se a cada poucos meses. Então, como é que os astrónomos examinam todos estes dados?
É aqui que entra o projeto de cientistas-cidadão Exoplanet Explorers, desenvolvido pelo astrónomo Ian Crossfield da Universidade da Califórnia em Santa Cruz e pela cientista Jessie Christiansen de Caltech. O projeto Exoplanet Explorers é hospedado no Zooniverse, uma plataforma online para investigação de “crowdsourcing” (contribuição colaborativa).
“Pessoas de qualquer lugar podem iniciar sessão e aprender o aspeto real de sinais exoplanetários, e então estudar os dados reais recolhidos pelo telescópio Kepler para votar se um determinado sinal é ou não classificado como um trânsito, ou apenas ruído“, comenta Christiansen. “Cada sinal de trânsito potencial é observado por um mínimo de 10 pessoas, e cada um precisa de um mínimo de 90% de votos positivos para ser redirecionado para maior caracterização.”
No início de abril do ano passado, apenas duas semanas após o protótipo inicial do Exoplanet Explorers ter sido configurado no Zooniverse, foi apresentado ao longo de um evento de três dias na série de televisão Stargazing Live do canal ABC Austrália.
Nas primeiras 48 horas após o lançamento do projeto, o Exoplanet Explorers recebeu mais de 2 milhões de classificações de mais de 10.000 utilizadores. Incluído nessa pesquisa, um novo conjunto de dados da missão K2 – a reincarnação da missão Kepler primária que terminou há 3 anos.
A missão K2 tem um novo campo de visão e uma nova colheita de estrelas em torno das quais pode procurar planetas. Nenhum astrónomo profissional examinou ainda este novo conjunto de dados, chamado C12.
De volta ao estado norte-americano da Califórnia, Crossfield e Christiansen juntaram-se ao astrónomo Geert Barentsen da NASA, que estava na Austrália, no estudo dos resultados enquanto estes surgiam. Usando a profundidade da curva de trânsito e a periodicidade com que aparece, fazem estimativas de quão grande é um planeta e de quão perto orbita a sua estrela.
Na segunda noite do programa, os investigadores discutiram a demografia dos candidatos a planeta encontrados até agora – 44 planetas do tamanho de Júpiter, 72 do tamanho de Neptuno, 44 do tamanho da Terra e 53 super-Terras, planetas maiores que a Terra, mas mais pequenos que Neptuno.
“Queríamos encontrar uma nova classificação que seria emocionante anunciar na última noite, de modo que originalmente estávamos a vasculhar entre os candidatos a planeta para encontrar um na zona habitável – a região em torno da estrela onde a água líquida pode existir à superfície”, explica Christiansen.
“Mas esses podem demorar algum tempo a validar, para ter a certeza de que é realmente um planeta e não um falso alarme. De modo que decidimos procurar um sistema multiplanetário porque é muito difícil obter um sinal falso acidental de vários planetas.”
Após esta decisão, Barentsen saiu para tomar uma chávena de chá. Quando voltou, Christiansen tinha examinado os dados de crowdsourcing para encontrar uma estrela com trânsitos múltiplos e encontrado uma estrela com quatro planetas em órbita. Três dos quatros planetas tinham 100% de votos “sim” por mais de 10 pessoas, e o restante planeta tinha 92%.
Este é o primeiro sistema multiplanetário descoberto inteiramente por crowdsourcing.
Depois da descoberta ter sido anunciada no programa Stargazing Live, Christiansen e colegas continuaram a estudar e a caracterizar o sistema, denominado K2-138. Validaram estatisticamente o conjunto de sinais planetários como “extremamente prováveis”, diz Christiansen, de serem planetas verdadeiros.
Também descobriram que os planetas giram em torno da estrela-mãe numa relação matemática interessante chamada ressonância, na qual cada um leva quase exatamente 50% mais tempo a completar uma órbita do que o próximo planeta mais perto da estrela. Os investigadores também encontraram um quinto planeta na mesma cadeia de ressonâncias e pistas de um sexto. O artigo que descreve o sistema foi aceite para publicação na revista The Astronomical Journal.
Este é o único sistema com uma cadeia de ressonâncias ininterruptas nesta configuração e pode fornecer pistas aos teóricos que procuram desvendar os mistérios da formação e migração planetária.
“A arquitetura orbital deste sistema planetário é uma reminiscência dos satélites galileanos de Júpiter,” comenta Konstantin Batygin, professor assistente de ciência planetária, que não esteve envolvido no estudo. “As comensurabilidades orbitais entre os planetas são fundamentalmente frágeis, de modo que a configuração atual dos planetas do sistema K2-138 aponta claramente para um ambiente de formação planetária gentil e laminar”.
“Algumas teorias atuais sugerem que os planetas se formam por dispersão caótica de rocha e gás e outros materiais nos estágios iniciais da vida do sistema planetário. No entanto, é improvável que estas teorias resultem num sistema tão íntimo e ordeiro, como o de K2-138”, realça Christiansen. “A parte excitante é que fomos capazes de encontrar este sistema invulgar com a ajuda do público em geral”.
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