Depois de viver como deusa viva “Kumari” durante nove anos em Katmandu, capital do Nepal, Matina Shakya regressou à escola na qual estudou antes de ser entronizada e espera agora viver como uma estudante comum.
Em setembro, Trishna Shakya, de 3 anos, foi escolhida como a nova deusa viva do Nepal e levada para o Kumari ghar. A nova Kumari de Katmandu sucede a Matina Shakya, de 12 anos, Kumari há nove anos.
Em 2008, com cerca de três anos de idade, Matina foi escolhida pelo clã budista Shakya para ser a reencarnação da deusa hindu Taleju, através de um rigoroso processo liderado por sacerdotes e astrólogos.
De acordo com a tradição, Matina foi então entronizada como “Kumari”, ou deusa viva, até ter a sua primeira menstruação – altura em que, segundo a tradição nepalesa, a deusa deixa o corpo de menina para se tornar uma mulher.
Para ser ungida como Kumari Real, a menina precisa de ter 32 características consideradas características de perfeição. Entre elas, tem de ter uma pele sem manchas, cabelo negro, olhos expressivos, voz clara e braços longos e delgados.
Além disso, a transformação de menina em deusa reverenciada tem um alto custo. A menina deve estar isolada, longe da família e dos amigos. Deve também permanecer calma, de forma a que nunca expresse qualquer tipo de emoção.
Os seus pés não podem tocar no chão e deve usar sempre vermelho, cabelo preso e ter o olho de fogo pintado na testa, símbolo dos seus poderes de perceção.
Agora que deixou de ser deusa viva, Matina Shakya tenta adaptar-se à vida de uma estudante comum e ao seu novo quotidiano em casa. Depois de nove anos de restrições, a transição de volta à vida social normal é difícil.
A sociedade continua a temer ou a reverenciar a menina. Para além das dificuldades do dia-a-dia, a menina precisa de saber lidar, no seu futuro, com a superstição de que quem se casar com uma Kumari, morrerá seis meses após o casamento.
A ex-Kumari Rashmila Shakya, que escreveu a autobiografia “From Goddess to Mortal: the True Life Story of a Former Royal Kumari“, tentou mudar estas perceções e sensibilizar sobre a realidade de viver como uma deusa.
No seu livro, Rashmila enfatiza a pouca educação recebida pelas Kumaris e descreve os desafios de voltar à escola sem o conhecimento necessário para ter êxito.
Matina, a agora ex-Kumari Real, recebeu educação particular dentro do templo Kumari Ghar, a residência da deusa viva, até retornar à escola Green Peace Co-Ed School como uma criança comum.
Surendra Sthapit, diretora da instituição, explicou que Matina tinha aulas com um professor que a visitava na sua residência. Dadas as circunstâncias, “Matina é uma menina inteligente que se adaptou muito bem”.
Apesar de todos terem pensado que a adaptação iria ser difícil para Matina, a menina provou que estavam todos errados pouco tempo depois de ter iniciado as aulas na Green Peace Co-ed School, em Ganabahal. Trocou a carruagem pela lambreta do pai para ir todos os dias para a escola, comenta o fotojornalista Sunil Sharma.
A vida na Terra não é fácil. Nem mesmo para uma ex-deusa viva.
ZAP // Global Voices