A obsessão em ter as crianças mais atentas e sossegadas, com recurso a substâncias químicas, poderá representar um condicionamento irreversível do seu desenvolvimento cognitivo e social que nenhum medicamento poderá recuperar, alerta o Conselho Nacional de Educação (CNE).
No relatório Estado da Educação 2015, divulgado esta sexta-feira, o presidente do CNE, David Justino, escreve que se tornou preocupante o consumo de substâncias estimulantes do sistema nervoso central, especialmente as orientadas para a superação de “supostos problemas” de hiperatividade e défice de atenção.
“O recurso cada vez mais generalizado ao metilfenidato (princípio ativo da designação comercial de Ritalina) reflete um problema que não deverá ser menosprezado”, adverte o ex-ministro da Educação na apresentação do documento.
O investigador refere a venda de quase 300 mil embalagens deste medicamento, em 2014 (dados do Infarmed), para defender uma reflexão por parte dos pais, dos professores, dos profissionais de saúde e dos decisores políticos sobre as razões de “tão rápido crescimento do consumo” e sobre os efeitos que o abuso destas substâncias pode ter no desenvolvimento geral das crianças.
O CNE recorreu também a dados da Direção-Geral de Saúde para mostrar que o consumo destes medicamentos passou de 2.937.039 doses diárias em 2009 para 6.515.293 em 2013 (considerando os fármacos comparticipados e dispensados à população em regime de ambulatório).
De acordo com o relatório Saúde Mental em Números 2015, as crianças portuguesas até aos 14 anos estão a consumir mais de cinco milhões de doses diárias de metilfenidato.
Menos consumo de substâncias aditivas
O investigador nota, por outro lado, uma “assinalável tendência” para a diminuição do consumo de substâncias aditivas: “Há uma clara redução dos que reconhecem ter experimentado o consumo de tabaco e canábis e uma tendência positiva dos que afirmam não consumir”.
Os resultados apurados por este estudo relativamente às bebidas alcoólicas referem uma situação menos favorável, “ainda que a tendência seja para diminuir”.
No que diz respeito ao ensino superior, o presidente do CNE assinala que há alunos e oportunidades a menos e que um dos problemas que se coloca na internacionalização das instituições é “a escassa especialização”.
“As ofertas generalistas de caráter tradicional tendem a dominar, face ao desejável desenvolvimento de núcleos de ensino e investigação especializados em domínios onde as instituições portuguesas possam ser reconhecidas e com capacidade para competir com as suas congéneres estrangeiras”, observa.
David Justino refere também que os indicadores de produção científica “continuam a ser moderados” quando comparados com os de países de idêntico nível de desenvolvimento económico e social.
“O facto de possuirmos alguns centros de excelência, não consegue esconder que a maioria não ultrapassa a mediania, bem como a irremediável tendência para paroquialização e enquistamento das equipas e das instituições de investigação científica”, critica o presidente do CNE.
O documento, de 300 páginas, é editado anualmente pelo CNE.
/Lusa