Os historiadores José Pacheco Pereira, Jaime Nogueira Pinto e Irene Pimentel recusam a ideia de que o 25 de Novembro tenha tido o envolvimento militar do PCP, salientando que o partido não pretendia criar uma “Cuba na Europa”.
Num debate sobre o 25 de Novembro de 1975, organizado pela comissão organizadora das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, na Reitoria da Universidade de Lisboa, o historiador José Pacheco Pereira, que escreveu uma biografia sobre Álvaro Cunhal, salientou que o antigo secretário-geral do PCP tinha “medo dos excessos” e a sua atitude sempre se pautou pela “grande prudência”.
“Ele tem uma atitude típica no PCP: tem um pé dentro e um pé de fora. Tem um pé dentro, para ver no que é que isto resulta, tem um pé fora, porque desconfia do sucesso das tentativas mais à esquerda no 25 de Novembro”, salientou.
Pacheco Pereira referiu que, numa intervenção perante o Comité Central do PCP em agosto de 1975, cujo teor não se conhece na totalidade, Cunhal definiu qual devia ser a posição do partido num contexto “muito difícil”, em que as suas “sedes e militantes eram atacados em muitos pontos do país” e, simultaneamente, havia “uma pressão esquerdista nas ruas”.
“Era a tática da ronha, ou seja, perante o que se estava a passar, o PCP devia ser extremamente prudente e usar uma ideia camponesa de desconfiar de tudo e de todos, e de manter tudo com uma grande prudência”, disse.
Acresce ainda, referiu Pacheco Pereira, que, nessa altura, o Departamento Internacional do Partido Comunista da União Soviética — sucessor do Comintern —, não pretendia criar uma “Cuba na Europa” em Portugal, após uma análise que tinha feito, no seguimento do golpe militar de 1973 que derrubou o governo chileno de Unidade Popular liderado por Salvador Allende, de que se tinha ido “demasiado longe” no Chile.
“A União Soviética não via com bons olhos que Portugal se transformasse numa espécie de regime proto-cubano na Europa”, afirmou, acrescentando que Cunhal partilhava dessa opinião, apesar de achar que se podia ir mais longe do que a União Soviética entendia.
Segundo Pacheco Pereira, o principal intuito do PCP em 1975 era “essencialmente manter o controlo interior, reservado, discreto, sobre os setores que influenciavam as Forças Armadas”, por achar que os “esquerdistas estavam a empurrar o país para uma situação em que iam ser derrotados”.
“Não há nenhuma prova de qualquer movimentação significativa das estruturas que o PCP tinha, mesmo paramilitares, de participação no 25 de Novembro, a não ser estarem à espera de ver o que é que acontecia”, salientou, acrescentando que o único elemento que se utiliza para aludir a um eventual envolvimento do PCP é uma entrevista de Álvaro Cunhal à jornalista Oriana Fallaci que considerou ter sido manipulada.
O tempo dos moderados, o terror e o ‘thermidor’
Por sua vez, o historiador Jaime Nogueira Pinto abordou uma análise do investigador americano Crane Brinton que considera que cada revolução é marcada por três fases: o tempo dos moderados, o terror e o ‘thermidor’.
O ‘thermidor’ “é um momento em que a Revolução não tem força para ir para a frente, mas a reação também não tem força para voltar para trás, ou seja, para fazer uma contrarrevolução. E o 25 de Novembro é, de certo modo, esse ponto”, disse, acrescentando que foi uma data que teve “influência externa”, o que também ditou o comportamento de alguns atores, em particular do PCP.
“A União Soviética não estava com certeza interessada em ter aqui uma espécie de Cuba que lhe parava qualquer hipótese de transição em Espanha e eu admito que os líderes, as elites, os quadros superiores do partido, tivessem essa visão, mas não quer dizer que os militantes a tivessem também”, referiu.
“Absurdo” do Governo
Já a historiadora Irene Flunser Pimentel defendeu que o “25 de Novembro não foi um golpe de Estado do PCP” e, portanto, também não “é um contragolpe ou uma contrarrevolução para eliminar o PCP”, salientando que a data é indissociável de uma clivagem que houve dentro do Movimento das Forças Armadas (MFA) entre o Grupo dos Nove, o grupo do COPCON e o grupo dos gonçalvistas.
“O que aconteceu foi que, com o 25 de Novembro, houve estruturas do MFA que desapareceram (…) e se calhar um dos objetivos do 25 de Novembro era provavelmente acabar com essas estruturas, onde estariam os gonçalvistas e por aí fora”, disse.
Irene Pimentel considera ainda “absurdo” o Governo criar uma comissão para os 50 anos do 25 de Novembro
No dia 25 de Novembro de 1975, cerca de mil paraquedistas da Base Escola de Tancos ocuparam o Comando da Região Aérea de Monsanto e seis bases aéreas, ato que o Grupo dos Nove — grupo de militares da ala moderada do Movimento das Forças Armadas — considerou o indício de que poderia estar em preparação um golpe de Estado pela chamada esquerda militar.
A tentativa de sublevação daquelas unidades militares, conotadas com setores da extrema-esquerda, foi travada por um dispositivo com base no regimento de comandos da Amadora, sob a direção do então tenente-coronel Ramalho Eanes, futuro Presidente da República.
Ao fim da tarde, o então Presidente da República, Francisco da Costa Gomes, decretou o estado de sítio na região de Lisboa, e a situação foi controlada pelos militares afetos ao Grupo dos Nove no MFA.
Os acontecimentos do 25 de Novembro de 1975 tiveram ao longo de décadas várias versões e provocaram divisões sobre as responsabilidades de cada um dos atores e sobre quem deu o primeiro passo.
ZAP // Lusa