E uma troca de turnos à última hora impediu Júlio Isidro de ser o protagonista naquela madrugada de quinta-feira.
Júlio Isidro tinha 29 anos em 1974. Poucos dias antes do 25 de Abril, pensava que ia ser emigrante. Aliás, já era emigrante.
O histórico locutor conta que tinha saído da tropa sem ser mobilizado para a guerra colonial: ficou no 2.º lugar no seu curso, com uma nota de 16,36 valores. E como os primeiros a ser mobilizados para a guerra eram os piores…
Mesmo assim, sabia que mais tarde iria ser chamado para a guerra, antes dos 35 anos.
A sua ideia era ir para Inglaterra. E foi. Até foi duas vezes, em 1973. À segunda, depois de fazer uma reportagem sobre gravações musicais do grupo Green Windows, falou com a sua tia, que já vivia em Inglaterra, e ficou em casa dela.
“A minha decisão era ficar. E fiquei. Eles vieram embora, arranjei um pretexto e fiquei”, recorda na Antena 1.
Passo seguinte: arranjar um emprego. Naquela altura, o emprego mais fácil de arranjar era ser mordomo ou motorista de estrelas de cinema.
E, de facto, havia vaga para ser motorista de Ava Gardner, uma das maiores figuras daquela “era dourada” de Hollywood. Também outras vagas, mas Júlio preferia ser motorista da talentosa e bela Ava Gardner (que também foi esposa de Frank Sinatra).
Mas nunca foi funcionário ligado a Ava, nunca a viu sequer. Porquê? Por causa do 16 de Março e do famoso levantamento militar nas Caldas da Rainha. Esta tentativa de Golpe de Estado, a “intentona das Caldas”, já deixava no ar a ideia de que algo iria mudar em Portugal.
Por isso, Júlio Isidro ligou a Luís Filipe Costa, chefe na RCP – Rádio Clube Português. Perguntou: “Acha que vale a pena voltar?”; Luís respondeu : “Vale”.
“Comprei o bilhete e voltei”. Ou seja, nunca chegou a ser motorista de Ava Gardner.
O turno de Joaquim Furtado
Locutor e autor de programas de rádio (só de rádio na altura), não era infeliz, mas era contra o Estado Novo – até por relação com a sua profissão.
Curiosamente, na madrugada de 25 de Abril de 1974, até seria precisamente Júlio Isidro a liderar a emissão do Rádio Clube Português. Ou seja, seria Júlio a ler o famoso comunicado do Movimento das Forças Armadas; mas Joaquim Furtado pediu para trocar o turno.
“E ainda bem que foi ele (a ler o comunicado). Ficou muito bem entregue”, diz hoje Júlio Isidro.