“Weinstein da loja dos 300”. Escândalo sexual leva à saída de dois Ministros de peso e deixa Boris por um fio

Neil Hall / EPA

Boris Johnson sabia das acusações de assédio sexual contra o deputado Chris Pincher, que recentemente promoveu. Os Conservadores rebeldes já estão a planear apresentar uma nova moção de censura ao líder.

Mais um dia, mais um escândalo no Governo britânico. Desta vez, o centro da atenção é o deputado Conservador Chris Pincher, que está a ser acusado de ter apalpado dois homens sem consentimento quando estava bêbado, tendo entretanto já apresentado a demissão do cargo de whip.

Na carta onde pede a demissão, Pincher diz que tinha bebido “em demasia” e pede desculpa por se ter embaraçado e a outras pessoas, prometendo que vai pedir ajuda médica profissional.

No entanto, esta já não é a primeira vez que Pincher é o alvo de acusações de assédio sexual — e o Pinchergate já está novamente a colocar pressão sobre Boris Johnson, que inicialmente negou ter tido conhecimento prévio dos comportamentos inapropriados do deputado.

Em 2017, o ex-atleta olímpico Alex Story revelou ao jornal Mail on Sunday que tinha sido uma vítima de Pincher, que alegadamente terá feito avanços sexuais e lhe terá massajado o pescoço numa festa em 2001. Story chegou mesmo a descrever Pincher como um “Harvey Weinstein da loja dos 300“.

Já depois da publicação destas acusações, Boris Johnson convidou Pincher a integrar o seu Governo em 2019 e em Fevereiro de 2022, o primeiro-ministro nomeou-o para ser chefe dos whips

O The Sunday Times avança que um deputado Conservador informou o escritório dos whips na altura que Pincher terá feito avanços indesejados e o terá assediado e que outros membros do partido também se terão juntado ao coro de vozes que denunciou a sua conduta e se opôs à sua promoção. No total, já foram noticiadas seis queixas.

“Pinça por nome, pinça por natureza”

As repercussões do escândalo que foi apelidado Pinchergate não se resumem apenas ao deputado em questão — e já há quem questione a postura do primeiro-ministro e se este sabia das acusações quando promoveu Pincher.

Inicialmente, o primeiro-ministro alegou na sexta-feira que não sabia de alegações “específicas” contra Pincher. Na segunda-feira, no entanto, um porta-voz de Johnson revelou que este sabia das queixas, mas que achava que estas estavam “resolvidas”.

O ex-secretário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Simon McDonald, publicou uma carta esta terça-feira onde sugere que Downing Street sabia da conduta de Pincher e que está a mentir ao público, escreve o The Guardian.

Dominic Cummings, ex-assessor de Boris Johnson, também já revelou que o primeiro-ministro até tinha uma alcunha onde fazia um trocadilho com o nome de Pincher (que significa pinça) e com o seu comportamento inapropriado e supostos apalpões — “Pinça por nome, pinça por natureza”.

Confrontado com as questões da deputada Trabalhista Angela Rayner sobre se Boris sabia ou não das acusações, o Ministro do Gabinete, Michael Ellis, respondeu que o primeiro-ministro “não se lembrou imediatamente das conversas nos finais de 2019 sobre este incidente” quando o caso voltou às notícias na semana passada.

“Mal se lembrou, o gabinete de impressa corrigiu as declarações. O primeiro-ministro agiu com honra em todas as horas”, defendeu Ellis.

O porta-voz de Downing Street também corrigiu publicamente as declarações. “Procuramos sempre dar as informações que temos no momento. Esta informação precisou de algum tempo para ser clarificada”, esclareceu.

Sindicatos exigem respostas

Os dois sindicatos que representam mais de 1000 trabalhadores parlamentares escrevem uma carta em conjunto a Lindsay Hoyle, Presidente da Câmara dos Comuns, onde exigem respostas concretas para o combate às “aparentemente infindáveis” acusações de assédio sexual em Westminster.

As associações pedem que seja o Parlamento a agir e acusam os partidos políticos de não serem de confiança quando o problema é o assédio, sublinhando que os políticos falham constantemente na “resposta devida à má conduta sexual quando o acusado é um deles”.

A verdade é que o Pinchergate está longe de ser o único caso de assédio a abalar os corredores políticos britânicos. O deputado Conservador Imran Ahmad Khan demitiu-se recentemente e acabou por ser condenado por ter violado um rapaz de 15 anos.

Em Maio também foi noticiado que um deputado Conservador tinha sido detido por suspeitas de violação e Neil Parish, também dos Conservadores, demitiu-se após ter admitido que viu pornografia na Câmara dos Comuns em duas ocasiões.

Ministros demitem-se

Depois de ter sobrevivido por um triz à moção de censura convocada pelos deputados do seu próprio partido e de ter sofrido duas pesadas derrotas eleitorais, este escândalo vem novamente colocar a liderança de Boris Johnson em xeque.

Já se falava na possibilidade de os Conservadores mudarem as regras que obrigam a que se tenha de esperar um ano até se poder marcar uma nova moção de censura e essa hipótese está a ganhar cada vez mais peso.

A jornalista Jessica Elgot, do The Guardian, avança no Twitter que a “atmosfera em Westminster está ainda pior do que antes do voto”. “O ambiente está mais pesado. Um deputado diz que estavam contentes em esperar pela mudança nas regras até ao Outono, mas agora querem-na antes das férias. Tom muito, muito diferente”.

Entretanto, os Ministros das Finanças e da Saúde abandonaram o barco e demitiram-se esta terça-feira após Boris Johnson ter pedido formalmente desculpa pela nomeação de Pincher.

Sajid Javid, responsável pela pasta da Saúde, foi o primeiro a anunciar a saída. “O tom que se estabelece como líder, e os valores que se representa, refletem-se nos colegas, no partido e, em última instância, no país”, diz na carta publicada no Twitter.

Os Conservadores “nem sempre foram populares, mas sempre foram competentes em agir pelo interesse nacional” e “infelizmente, nas actuais circunstâncias, o público está a concluir que agora não somos nem uma coisa, nem outra”.

Rishi Sunak, que tinha a pasta das Finanças e é há muito visto como um potencial sucessor de Boris, emitiu um comunicado onde anuncia o seu afastamento. “O público, com razão, espera que o Governo seja conduzido de forma adequada, competente e séria. Reconheço que esta possa ser o meu último cargo ministerial, mas acredito que vale a pena lutar por estes critérios”, disse no Twitter.

Os nomes dos substitutos já foram divulgados — com a pasta das Finanças ficará Nadhim Zahawi, que até agora liderava o Ministério da Educação. Na Saúde ficará Steve Barclay, ex-chefe de gabinete de Downing Street.

A substituir Nadhim Zahawi, que deixa a Educação para substituir Sunak, fica Michelle Donelan, até agora secretária de Estado das Universidades.

Já há duas semanas, desde as duas derrotas eleitorais, que crescia o coro de vozes a apelar à rebelião dos próprios Ministros de Boris e o escândalo com Pincher pode mesmo ter sido a gota de água.

Paul Brand, jornalista da estação televisiva ITV, avança também que os rebeldes nos Conservadores já se estão a coordenar para enviarem mais cartas a pedir uma nova moção de censura, mesmo antes da mudança das regras. “Várias cartas já seguiram só hoje”, escreve no Twitter.

Adriana Peixoto, ZAP //

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