A especialista em Comunicação e Estudos de Género, Belén Zurbano Berenguer, considera que os votos, as preocupações e as necessidades das mulheres vão ser decisivos nas eleições legislativas espanholas de 28 de abril.
Em entrevista ao Público, divulgada esta quarta-feira, a professora e investigadora em Estudos de Género, Comunicação e Igualdade, na Universidade de Sevilha, realçou o dinamismo e a mobilização recentes do movimento feminista para justificar o destaque que o voto feminino pode ter nas eleições.
A académica recordou, no entanto, que o “combate ao machismo e a transformação da ordem política e social patriarcal são processos lentos”, o que se reflete na campanha. Nesse sentido, apesar de os partidos estarem a dar destaque às suas caras femininas, não se coíbem de demonstrar que os “varões continuam a ser os primeiros”.
“As sondagens sobre as intenções de voto sugerem que a maioria dos eleitores que ainda não decidiu em quem vai votar são mulheres. Se a esse dado somarmos o dinamismo feminista e a mobilização deste tipo de movimentos no último ano – isso, sim, tem tido eco nos programas e agendas de algumas formações políticas –, podemos afirmar que, ainda que alguns partidos o prefiram negar, o voto das mulheres e as suas preocupações e necessidades vão ser decisivos nestas eleições”, indicou Belén Zurbano Berenguer.
Segundo a investigadora, essas necessidades “são coisas tão básicas como o direito à vida, à liberdade, à igualdade ou à livre disposição dos seus corpos e sexualidade”.
Ainda assim, continuou a especialista, há que ter em conta uma variedade de fatores para análises mais acertadas. Como referiu, a decisão do voto inclui um “número importante de outros elementos”, como os resultados das últimas eleições na Andaluzia, que abriram a porta do Parlamento a figuras contrárias ao feminismo e à luta das mulheres.
Apontando Inês Arrimadas (Cidadãos), Edurne Uriarte (Partido Popular) ou Irene Montero (Podemos) como peças importantes dos partidos nesta campanha, o Público questionou a especialista sobre a mensagem que as forças políticas querem passar ao eleitorado, dando destaque às mulheres.
Para Belén Zurbano Berenguer, os partidos reconhecem a importância de contar com a representação da metade do eleitorado espanhol. “Mais ainda num momento como aquele que vivemos, em que as reivindicações e as lutas das mulheres estão em plena efervescência, e até os mais reacionários contra as políticas e os programas de género se estão a juntar aos discursos pró-igualitários”.
A verdade, sublinhou, “é que o patriarcado dominante dos principais partidos manifesta-se de forma clara quando há sobreposição de cabeças de lista: as mulheres estão em segundo plano, são os varões que continuam a ser os primeiros”.
De acordo com a professora, o combate ao machismo enquanto reflexo de uma ordem social e política patriarcal “é um processo lento e moroso”.
“E em Espanha temos sempre de contar com o desfasamento histórico causado pela ditadura franquista. A repressão das ideias progressistas e a ancoragem numa ordem social profundamente desigual propiciaram uma certa fixação de valores machistas, que já podiam ter sido superados há muito”, acrescentou.
No entanto, assegurou que essa situação não se prende somente a Espanha. “Passa-se em muitos outros países, incluindo as democracias mais consolidadas, que apresentam índices de violência contra as mulheres que envergonham qualquer um”.
“O machismo é o reflexo da organização da vida em volta da hegemonia masculina e, salvo exceções muito anedóticas, é um fenómeno universal, que deve combater-se com firmeza no espaço público. Educação e transformação dos valores sociais são, sem dúvida, a chave para a mudança”, explicou.
Sobre o julgamento do caso de “La Manada” (uma violação coletiva em Pamplona, cujos réus foram condenados por abuso e não por violação), afirmou que “a agressão machista” e o julgamento “provocou uma convulsão social contra as agressões sexuais, de qualquer índole, que sofrem as mulheres em Espanha”.
“Foi uma manifestação do conflito que existe entre a ocupação de espaços públicos, por parte das mulheres, e a sua segurança, e materializou-se na reflexão sobre temas como o consentimento sexual ou a liberdade”, analisou Belén Zurbano Berenguer.
Relativamente à reação dos socialistas do PSOE à nova realidade, quando o chefe do Governo, Pedro Sánchez, nomeou para ministros o mesmo número de homens e mulheres, a investigadora defendeu que dizer que o partido parte em vantagem junto do eleitorado feminino “seria estar a conjeturar por cima dos números que nos dizem que a maioria dos votos femininos do passado e das atuais intenções de voto vão no sentido dos partidos tradicionais”.
Na sua diversidade, esclareceu, as mulheres “são influenciadas por abordagens que reconhecem as suas necessidades e especificidades, mas há outros fatores, como o seu nível de desenvolvimento económico ou o seu caráter rural ou urbano”.
“Os movimentos feministas reivindicam, em geral, políticas integrativas e sustentáveis, que, no entanto, acabaram por não ser desenvolvidas pelo último Governo, dada a curta duração da legislatura anterior”, apontou a professora.
Quanto ao discurso do partido Vox, de extrema-direita, e a sua defesa do “homem espanhol e heterossexual”, Belén Zurbano Berenguer declarou que a sua mensagem política dificilmente convencerá o eleitorado feminino “porque algumas das suas abordagens são paleontológicas no que que toca à posição das mulheres na sociedade”.
“É coerente que um partido que se assume contra as políticas de género não consiga alcançar a maioria dos votos de quem proclama abertamente não defender e cujas doenças e o ser alvo de violência nega. Mas pode conseguir alguns votos femininos, porque o feminismo ou a luta pela igualdade não são bandeiras inerentes à identidade feminina”, concluiu.