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Vikings não só matavam e saqueavam (também ajudaram a espalhar o cristianismo)

Os vikings são frequentemente vistos como saqueadores pagãos que atacavam sem piedade as igrejas cristãs e matavam monges indefesos. Mas isto é apenas parte da história deles. Os vikings também tiveram um papel fundamental na difusão do cristianismo.

A mitologia nórdica há muito captura a imaginação popular e muitos hoje ouvem histórias sobre os deuses pagãos, particularmente Odin, Thor e Loki, recentemente reimaginados nas bandas desenhadas e filmes da Marvel. Alguns até seguem versões reconstruidas dessas crenças, conhecidas como Ásatrú (a religião dos Aesir).

A nossa principal fonte para esta mitologia, a Edda em prosa, foi escrita por um cristão do século 13, o político islandês Snorri Sturluson. A Escandinávia converteu-se ao cristianismo após muitas partes da Europa, mas este processo ainda é uma parte importante da verdadeira história dos vikings.

Seria errado minimizar a violência viking, mas, durante o período medieval, os ataques não se restringiram a estes navegantes escandinavos. Os anais irlandeses, como os Anais de Ulster, registam muito mais ataques de irlandeses a outros irlandeses — incluindo a invasão e queima de igrejas — do que ataques de escandinavos.

Um choque ideológico é uma das causas sugeridas da “Era Viking”. Esta linha de pensamento sugere que os escandinavos pagãos tentavam vingar ataques cristãos, como a invasão da Saxónia pelo imperador franco Carlos Magno. Este conflito de 30 anos envolveu o batismo forçado em massa, a pena de morte por “práticas pagãs” e incluiu a execução de 4.500 rebeldes saxões em Verden.

Parece mais provável, no entanto, que os mosteiros cristãos tenham sido visados inicialmente porque eram mal defendidos e continham uma riqueza portátil na forma de metal e pessoas. A instalação em terras cristãs mais ricas também oferecia melhores perspetivas do que permanecer na Escandinávia, com poucos recursos.

A ascensão do cristianismo

A conversão da Escandinávia foi gradual, com missionários cristãos a pregar intermitentemente na Escandinávia a partir do século VIII. Embora houvesse alguma resistência, o cristianismo e o paganismo nórdico nem sempre eram fundamentalmente opostos.

O primeiro rei escandinavo a ser convertido foi o exilado dinamarquês Harald Klak. Ele foi batizado no ano de 826 com o imperador Luís I, o Piedoso, como seu patrocinador, em troca do apoio imperial a uma tentativa de recuperar o seu trono.

Gutrum, um rei do Grande Exército Viking que atacou a Inglaterra no século IX, também foi batizado como parte do seu acordo após a derrota pelo rei da Saxónia Ocidental Alfred “O Grande”. De facto, entrar em contacto com reinos cristãos que eram mais centralizados politicamente levou a uma maior unificação dos reinos escandinavos.

Um dos pontos de viragem mais significativos no cristianismo da Escandinávia foi a conversão do rei dinamarquês Harald Bluetooth na década de 960. A tecnologia Bluetooth recebeu o nome de Harald porque ele uniu partes diferentes da Dinamarca, enquanto a tecnologia une dispositivos de comunicação.

Harald proclamou orgulhosamente na agora icónica pedra Jelling — um monumento impressionante com uma inscrição rúnica — que ele “tornou os dinamarqueses cristãos”. E essa ligação entre a realeza e o cristianismo continuou.

A Noruega foi convertida em grande parte devido a dois dos seus reis: Olaf Tryggvason e Olaf Haraldsson. Este último foi canonizado logo após a sua morte em batalha em 1030, tornando-se o primeiro santo oriundo da Escandinávia. Os futuros reis noruegueses beneficiaram da sua associação com Olaf Haraldsson, que se tornou o santo padroeiro da Noruega.

A música da Dinamarca no festival Eurovisão de 2018, em Lisboa, retrata Magnus como um viking pacifista que se recusou a lutar. Fontes sugerem que, numa ocasião, Magnus recusou-se a atacar o rei norueguês e fugiu da frota, mas a sua carreira não foi isenta de violência.

Os escandinavos que se estabeleceram no exterior em terras cristãs também foram convertidos à religião dominante. Enquanto os colonos escandinavos inicialmente enterravam os seus mortos de formas pagãs tradicionais, eles logo adotaram os costumes daqueles que viviam ao seu redor.

Soldados de Deus

Até os colonos escandinavos nas remotas ilhas do Atlântico Norte aderiram ao mainstream europeu com algum entusiasmo. Em parte devido à pressão da Noruega, a Islândia converteu-se oficialmente ao cristianismo no ano 1000, mas algumas práticas pagãs ainda eram toleradas.

Os assentamentos na Gronelândia acabaram por fracassar nos séculos XIV e XV, mas mesmo quando os habitantes estavam a passar fome, ainda dedicavam recursos preciosos para importar bens de luxo para a igreja, incluindo vinho e roupas.

Os escandinavos também se juntaram às cruzadas; agora eles eram os cristãos a atacar os chamados pagãos. O rei norueguês Sigurd foi o primeiro rei europeu a participar pessoalmente das cruzadas, fazendo uma viagem entre 1108 e 1111, pouco depois da Primeira Cruzada ter culminado na reocupação cristã de Jerusalém em 1099.

Afinal, as cruzadas não eram tão diferentes dos ataques dos Vikings, mas desta vez a matança e os saques tiveram o apoio de cristãos. Em vez de uma vida após a morte em Valhalla como recompensa por morrer em batalha, aqueles que morreram nas Cruzadas iriam diretos para o céu.

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