Neste método de ensino não há aulas de matemática ou estudo do meio. As crianças é que definem o currículo escolar. Será que funciona?
Métodos de ensino: tradicional, Montessori, Waldorf… Há vários na lista, uns mais conhecidos do que outros.
Este chama-se uncshooling em inglês. Em português ficamos com um estranho “desescolarização”. Ou há quem prefira chamar “aprendizagem auto-dirigida”.
Este rumo de ensino pretende ensinar, mas afastando-se da escola. Não há matemática ou estudo do meio. São as crianças que definem o currículo escolar.
Na verdade, nem há escola ou professores. É uma educação auto-dirigida, personalizada.
As crianças aprendem no seu próprio ritmo, sem divisões formais de disciplinas, sem professores.
O uncshooling abrange uma ampla gama de métodos pedagógicos. Já há mesmo duas escolas “democráticas livres”: a Free School nos EUA e a Summerhill no Reino Unido.
Quem manda na sua própria educação é a criança – que aprende naturalmente aquilo que lhe desperta curiosidade natural.
O método, que na verdade já surgiu há 50 anos, tornou-se cada vez mais popular nos últimos anos, sobretudo através das redes sociais. Há muitos grupos de pais dedicados a este tema, alguns com dezenas de milhares de membros. Já não é uma “coisa só dos cristãos conservadores”. E a COVID-19 deu um impulso importante.
“Atrasado”
Como seria de esperar, este rumo está a “irritar” muita gente, como se lê na revista Rolling Stone.
Um exemplo em destaque é o da influencer espiritual, Mami Onami, que explicou no TikTok que não ensina nada ao filho – que tem 6 anos. Tudo o que ele aprende é uma resposta aos seus interesses ou às suas perguntas.
Também não há horários de aulas. Os esclarecimentos surgem de cada vez que a criança quer saber alguma coisa.
Mami escreve que, com este sistema, o filho “adora aprender, adora começar algo novo”.
Mas admite um receio neste regime de “escola livre”: e se as crianças só aprofundam assuntos pelos quais estão interessados? E se nunca quisessem saber de leitura, escrita ou matemática?
Mas a amostra que tem em casa mostra-lhe o contrário: o filho começou a escrever por iniciativa própria; defende que o interesse da criança por cada assunto vai chegar “no seu tempo”.
No mesmo vídeo, Mami Onami apela a que os pais tentem tirar os filhos da escola tradicional, onde estão 40 horas por semana e depois “não têm energia para nada”.
“Acreditem: vocês conseguem responder aos interesses dos vossos filhos. E eles vão aprender tudo que precisam de aprender, e não o que as outras pessoas precisam que eles aprendam”.
No meio de mais de 4 mil comentários, a maioria é ao ataque: “Só estás a prejudicar os teus filhos”, ou “Está tudo bem – se quiseres que os teus filhos sejam ignorantes para sempre”, ou ainda a repetição da crítica “és uma preguiçosa” e a acusação de fugir às suas responsabilidades na educação dos filhos.
A palavra “preguiçosa” levanta muitas dúvidas. Não será bem aplicada neste contexto: neste regime a mãe ou pai têm que ter uma disponibilidade – de tempo e mental – e energia para estar sempre disponível para o filho.
Mas também há comentários duros sobre o filho: é “estúpido”, ou é um “atrasado” em termos de desenvolvimento.
No geral, os críticos do unschooling – além de acusarem os pais de serem negligentes ou inconscientes – lembram que a interacção comunitária, na escola com outras crianças, é essencial no crescimento de cada pessoa, e que as crianças devem aprender umas com as outras. Há quem defenda o contrário, lembre que há muitas formas de aprender e garanta que há muita interacção com o mundo lá fora.
Outros especialistas temem que as crianças em aprendizagem auto-dirigida fiquem num ambiente isolada, numa “bolha”, sem ouvirem outras ideias, outras perspectivas sem ser a dos pais.
E há estudos que mostram que as crianças que nunca foram à escola têm pior desempenho nas avaliações académicas, especialmente na leitura.
O filho de Mami Onami, por exemplo, tem 6 anos, não sabe ler e a sua mãe não está preocupada com isso.
Onami resume: “O sistema está destruído. E a escola é a instituição que prepara as pessoas para viver nesse mundo. A escola não ensina as crianças a questionar a autoridade que mantém este mundo a girar”.
A mãe de duas crianças espera ensinar os seus filhos a “usar os seus dons criativos para começar coisas novas, em vez de trabalhar para outras pessoas”.
Nos EUA, estima-se que haja 3 milhões de crianças e adolescentes a estudar em casa – ensino individual, ou homeschooling. Entre 300 mil e 600 mil seguem o unschooling.
O sistema de educação é igual ao de há 50 anos atrás, e isso diz muito sobre as bases em que a nossa sociedade está assente. Os alunos são avaliados pela sua capacidade de memorização e não pelo que sabem. Estudei 18 anos, e aquilo que hoje aplico e que me é útil em contexto de trabalho, é uma percentagem mínima de tudo aquilo que me ensinaram, sobretudo no ensino obrigatório. Para um programador, o que é que interessa a geografia? A história? Por aí fora. O sistema de educação devia ser um espaço para nutrir as capacidades individuais de cada aluno, quando na verdade, é uma ceifadora.