No Japão, 20% das mulheres entre 20 e 29 anos têm um Índice de Massa Corporal inferior a 18,5 — o que é considerado abaixo do peso saudável. É o único país desenvolvido do mundo com uma proporção tão grande de mulheres abaixo do peso recomendado.
Sarah Mizugochi, uma influenciadora gastronómica de 29 anos, relembra os anos difíceis da sua adolescência, quando estava abaixo do peso, uma realidade que afeta muitas mulheres jovens no Japão.
Com 1,64 metro de altura, Sarah preocupava-se obsessivamente com a comida e restringia a sua alimentação de maneira extrema, comendo bolo apenas uma vez por ano, no seu aniversário. “Eu pensava em comida o tempo todo, e estava sempre com fome“, conta. Esta obsessão com a magreza não trouxe felicidade para Sarah, mas ela não estava sozinha nesse comportamento.
O Japão enfrenta um grave problema de saúde pública: a alta proporção de mulheres jovens clinicamente abaixo do peso.
Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde japonês em 2019 revelou que 20,7% das mulheres entre 20 e 29 anos tinham um Índice de Massa Corporal (IMC) inferior a 18,5, o que é considerado abaixo do peso saudável pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
O Japão é o único país desenvolvido onde esta condição é tão prevalente, um fenómeno que geralmente ocorre em países de mais pobres, como Timor-Leste e Burundi.
A situação é agravada por normas culturais que perpetuam a magreza como um ideal de beleza. No Japão, termos como “peso Cinderela” circulam entre as jovens, promovendo um IMC abaixo do saudável como uma meta desejável.
Tomohiro Yasuda, professor da Escola de Enfermagem da Universidade Seirei Christopher, estudou o problema e descobriu que, embora muitas mulheres saibam que precisam ganhar peso, suas metas são extremamente baixas, refletindo uma distorção na percepção de um corpo saudável.
A média de peso que as mulheres abaixo do peso desejavam ganhar era de apenas 0,4 kg, quando na verdade precisariam de ganhar cerca de 10 kg para alcançar um IMC saudável.
As consequências dessa busca pela magreza são sérias: desnutrição, perda óssea, anemia, irregularidades menstruais, infertilidade, e, em casos extremos, o risco de sarcopenia, uma condição que normalmente ocorre com o envelhecimento, mas que também pode resultar de uma nutrição inadequada. Yasuda aponta para a influência dos media japoneses, que glorifica a magreza nas mulheres jovens, ao mesmo tempo em que exibem homens de várias idades e aparências.
Sarah Mizugochi conseguiu superar sua obsessão pela magreza e hoje promove uma relação mais saudável com a comida. Influenciada pela cultura ocidental durante a sua estadia no Reino Unido, começou a comer mais e a preocupar-se menos com calorias, ganhando peso e musculatura. “Estou muito feliz e saudável — ganhei 7 kg, e estou na faixa de peso saudável”, afirma à BBC.
Historicamente, a magreza tem sido valorizada na cultura japonesa, com influências que remontam ao período Edo (1600-1868), quando as artes, como o kabuki e as xilogravuras, retratavam mulheres esbeltas, refletindo fantasias masculinas.
Hoje, as mulheres japonesas enfrentam pressões para casar, ter filhos e lidar com discriminação no trabalho, levando muitas a focarem-se no controlo do peso como uma forma de exercer algum poder sobre as suas vidas.
O governo japonês tem tentado combater essa cultura de perda de peso com várias iniciativas. Em 2000, lançou as Diretrizes de Alimentação para os Japoneses, recomendando a manutenção de um peso saudável através de uma dieta equilibrada e exercício.
Em 2022, foi lançada uma nova iniciativa para enfrentar problemas nutricionais, incluindo a magreza excessiva entre mulheres jovens. Autoridades locais, como na cidade de Yamato, também têm promovido a educação nutricional e exames de saúde para combater essa tendência.
Apesar desses esforços, o preconceito persiste.
Yasuko, representante da agência de modelos plus size Bloom Creative, descreve o desafio de lidar com comentários preconceituosos e a dificuldade de encontrar roupas de tamanho adequado no Japão, onde os padrões de tamanho são significativamente menores do que no Ocidente.
“Fui tocada por um estranho de meia-idade num comboio cheio que me disse: ‘Como pode viver com um corpo gordo tão repulsivo e erótico, não tem vergonha disso?'”, conta ainda Yasuko.
A luta contra os padrões de magreza no Japão é complexa, envolvendo fatores culturais, sociais e históricos. No entanto, o crescente movimento de positividade corporal está a começar a desafiar esses padrões e a promover uma visão mais inclusiva e saudável da beleza.
ZAP // BBC