Para além da Terra, há dois outros mundos no Sistema Solar onde os rios correm ou correram: Marte, onde rastos secos e crateras são tudo o que resta de antigos rios e lagos, e Titã, a maior lua de Saturno, onde ainda hoje correm rios de metano líquido.
Uma nova técnica desenvolvida por geólogos do MIT (Massachusetts Institute of Technology) permite aos cientistas ver a intensidade com que os rios correram em Marte e como correm atualmente em Titã.
O método utiliza observações de satélite para estimar o ritmo a que os rios movem fluidos e sedimentos para jusante.
Aplicando a sua nova técnica, a equipa do MIT calculou a velocidade e profundidade dos rios em certas regiões de Marte há mais de mil milhões de anos.
Fizeram também estimativas semelhantes para os rios atualmente ativos em Titã, apesar de a espessa atmosfera da lua e a sua distância da Terra a tornarem mais difícil de explorar, com muito menos imagens disponíveis da sua superfície do que as de Marte.
“O que é excitante em Titã é o facto de estar ativa. Com esta técnica, temos um método para fazer previsões reais para um local onde não vamos obter mais dados durante muito tempo”, diz Taylor Perron, professor no Departamento de Ciências da Terra, Atmosféricas e Planetárias do MIT.
“E em Marte, dá-nos uma máquina do tempo, para pegar nos rios que estão mortos agora e ter uma noção de como eram quando corriam ativamente”, acrescenta.
Perron e os seus colegas publicaram os seus resultados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
Os coautores de Perron no MIT são o primeiro autor Samuel Birch, Paul Corlies e Jason Soderblom, com Rose Palermo e Andrew Ashton do WHOI (Woods Hole Oceanographic Institution), Gary Parker da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign e colaboradores da Universidade da Califórnia em Los Angeles, da Universidade de Yale e da Universidade de Cornell.
Matemática do rio
O estudo da equipa surgiu a partir da perplexidade de Perron e Birch sobre os rios de Titã.
As imagens tiradas pela sonda Cassini da NASA mostraram uma curiosa ausência de deltas em forma de leque na foz da maioria dos rios da lua, ao contrário do que acontece com muitos rios na Terra.
Será que os rios de Titã não transportam caudal ou sedimentos suficientes para construir deltas?
O grupo baseou-se no trabalho do coautor Gary Parker, que na década de 2000 desenvolveu uma série de equações matemáticas para descrever o caudal dos rios na Terra. Parker tinha estudado medições de rios efetuadas diretamente no terreno por outros.
A partir destes dados, descobriu que existiam certas relações universais entre as dimensões físicas de um rio — a sua largura, profundidade e declive — e a velocidade com que fluía.
Elaborou equações para descrever matematicamente estas relações, tendo em conta outras variáveis como o campo gravitacional que atua sobre o rio e o tamanho e densidade dos sedimentos que são empurrados ao longo do leito do rio.
“Isto significa que rios com gravidade e materiais diferentes devem seguir relações semelhantes”, diz Perron. “Isso abriu a possibilidade de aplicar isto também a outros planetas”.
Obtendo um vislumbre
Na Terra, os geólogos podem fazer medições de campo da largura, declive e tamanho médio dos sedimentos de um rio, que podem ser introduzidos nas equações de Parker para prever com precisão o caudal de um rio, ou a quantidade de água e sedimentos que pode mover a jusante.
Mas para os rios de outros planetas, as medições são mais limitadas e baseiam-se em grande parte em imagens e medições de elevação recolhidas por satélites remotos. No caso de Marte, vários orbitadores captaram imagens de alta resolução do planeta. Relativamente a Titã, as imagens são escassas.
Birch apercebeu-se de que qualquer estimativa do caudal de um rio em Marte ou Titã teria de se basear nas poucas características que podem ser medidas a partir de imagens remotas e da topografia — nomeadamente, a largura e o declive de um rio.
Com alguns ajustes algébricos, adaptou as equações de Parker para trabalharem apenas com dados de largura e declive. Depois reuniu dados de 491 rios da Terra, testou as equações modificadas nesses rios e descobriu que as previsões baseadas apenas na largura e no declive de cada rio eram exatas.
Seguidamente, aplicou as equações a Marte e, especificamente, aos antigos rios que conduzem às crateras Gale e Jezero, que se pensa terem sido lagos cheios de água há milhares de milhões de anos.
Para prever o caudal de cada rio, introduziu nas equações a gravidade de Marte e estimativas da largura e declive de cada rio, com base em imagens e medições de elevação efetuadas por satélites em órbita.
A partir das suas previsões do caudal, a equipa descobriu que os rios provavelmente fluíram durante pelo menos 100.000 anos na cratera Gale e pelo menos 1 milhão de anos na cratera Jezero — tempo suficiente para possivelmente terem suportado vida.
Também puderam comparar as suas previsões do tamanho médio dos sedimentos no leito de cada rio com medições reais de campo de grãos marcianos perto de cada rio, obtidas pelos rovers Curiosity e Perseverance da NASA.
Estas poucas medições no terreno permitiram à equipa verificar que as suas equações, aplicadas em Marte, eram exatas.
A equipa debruçou-se então sobre Titã. Concentraram-se em dois locais onde os declives dos rios podem ser medidos, incluindo um rio que desagua num lago do tamanho do Lago Ontário.
Este rio parece formar um delta quando desagua no lago. No entanto, o delta é um dos poucos que se pensa existirem na lua – quase todos os rios visíveis que correm para um lago não têm misteriosamente um delta. A equipa também aplicou o seu método a um destes outros rios sem delta.
Os investigadores calcularam o caudal de ambos os rios e descobriram que podem ser comparáveis a alguns dos maiores rios da Terra, com deltas que se estima terem um caudal tão grande como o do Rio Mississipi.
Ambos os rios deveriam mover sedimentos suficientes para construir deltas. No entanto, a maioria dos rios de Titã não tem depósitos em forma de leque. Algo mais deve estar em jogo para explicar esta falta de depósitos fluviais.
Noutra descoberta, a equipa calculou que os rios em Titã deveriam ser mais largos e ter um declive mais suave do que os rios com o mesmo caudal na Terra ou em Marte.
“Titã é o lugar mais parecido com a Terra“, diz Birch. “Ainda só tivemos um vislumbre dele. Sabemos que há muito mais lá em baixo e esta técnica remota está a aproximar-nos um pouco mais”.
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