A investigação ajuda a compreender o papel que as forças mecânicas desempenham na formação das células e dos organismos durante as primeiras fases do desenvolvimento.
Os oócitos da ascídia – ou óvulos imaturos – aproveitam a fricção no interior dos seus compartimentos para se alterarem e desenvolverem depois de serem fertilizados.
Segundo um estudo levado a cabo pelo grupo Heisenberg, do Instituto de Ciência e Tecnologia da Áustria, estas forças de fricção desempenham um papel muito importante na remodelação e reorganização do seu interior, sendo um prelúdio dos passos que se seguirão no desenvolvimento das ascídias.
Os oócitos animais são células germinativas femininas envolvidas na reprodução que, após a fertilização, sofrem reorganização citoplasmática, alterando o seu conteúdo e componentes celulares, num processo que estabelece o modelo para o desenvolvimento subsequente do embrião.
Nas ascídias, essa reorganização leva à formação de uma protuberância em forma de sino conhecida como pólo de contração, onde se reúnem materiais essenciais que facilitam a maturação do embrião.
O mecanismo subjacente que impulsiona este processo, no entanto, é desconhecido. Neste estudo, os cientistas decidiram desvendar este mistério.
Em laboratório, os investigadores mantiveram os animais em tanques de água salgada para conseguirem obter óvulos e espermatozóides por forma a estudarem o seu desenvolvimento embrionário inicial. Importa salientar que todas as ascídias são hermafroditas, pois produzem tanto células germinativas masculinas como femininas.
Posteriormente, a equipa analisou microscopicamente oócitos fertilizados de ascídias e apercebeu-se de que estavam a seguir mudanças muito reprodutíveis na forma das células que levavam à formação do pólo de contração.
A primeira análise centrou-se no córtex da actomiosina – uma estrutura dinâmica que se encontra por baixo da membrana celular nas células animais. Composta por filamentos de actina e proteínas motoras, atua como motor das alterações de forma das células.
“Descobrimos que, quando as células são fertilizadas, o aumento da tensão no córtex da actomiosina provoca a sua contração, levando ao seu movimento (fluxo) e resultando nas alterações iniciais da forma da célula”, referiu Silvia Caballero-Mancebo, citada pelo SciTechDaily.
No entanto, os fluxos de actomiosina pararam durante a expansão do pólo de contração, o que sugere que existem outros intervenientes responsáveis pela saliência.
Foi então que a equipa decidiu olhar um pouco mais de perto para outros componentes celulares. Depararam-se com o mioplasma, uma camada composta por organelos intracelulares e moléculas (cujas formas relacionadas se encontram em muitos ovos de vertebrados e invertebrados), posicionada na região inferior do ovócito da ascídia.
“Esta camada específica comporta-se como um elástico – muda a sua forma juntamente com o ovócito durante a fertilização”, explicou Caballero-Mancebo.
Durante o fluxo do córtex de actomiosina, o mioplasma dobra-se e forma muitas pregas devido às forças de fricção entre os dois componentes. Quando o movimento da actomiosina pára, as forças de fricção também desaparecem.
“Esta paragem acaba por levar à expansão do pólo de contração, uma vez que as dobras do mioplasma se transformam numa protuberância bem definida em forma de sino”, rematou a investigadora.
Este estudo, cujo artigo científico foi publicado na Nature Physics, dá uma nova perspetiva sobre o modo como as forças mecânicas determinam a forma das células e dos organismos, especificamente nas ascídias, consideradas os invertebrados mais próximos dos seres humanos, especialemente nos estágios larvais.