Um poema simples de poucas estrofes transformou o Natal por completo. Conta a história de um Natal tradicional passado em família com foco nas crianças, mas a sua origem é polémica.
Corria o ano de 1823, e quem comprasse o jornal americano Troy Sentinel tinha direito a um poema anónimo onde se lia, na primeira estrofe, a icónica frase “Twas the night before Christmas” (“Era a noite antes do Natal”), popularizada ainda hoje em merchandising e um símbolo do espírito natalício.
Chamava-se “Uma visita de São Nicolau“, e descrevia o Natal de uma forma muito pouco comum para a altura, conta a National Geographic, mas que agora nos soa familiar.
Antes da década de 1820, explica Smith, o Natal teria sido irreconhecível para os leitores modernos.O feriado, se fosse sequer celebrado, variava muito de região para região e geralmente envolvia festividades de rua e muita bebida.
“Quando existia na América, era uma celebração de rua desordeira, baseada nas tradições do velho mundo”, conta Thomas Ruys Smith, professor de literatura e cultura americanas na Universidade de East Anglia. Mas este poema alterou tudo, e “dá aos leitores um modelo perfeito de como deveria ser um Natal doméstico“.
“Era a noite antes do Natal, e em toda a casa / Nem uma criatura se mexia, nem mesmo um rato / As meias foram penduradas na chaminé com cuidado […] / Assim, até ao telhado da casa, os cavaleiros voaram / Com o trenó cheio de brinquedos, e São Nicolau também […]”, narra o poema.
“São Nicolau desceu pela chaminé com um salto. / Estava vestido todo de pelo, da cabeça aos pés, / E as suas roupas estavam todas manchadas de cinza e fuligem / Trazia às costas uma trouxa de brinquedos / E parecia um vendedor ambulante a abrir a mochila”.
As tradições refletidas no poema não podiam ser mais diferentes. Em vez da folia dos adultos, o Natal do poema envolve crianças adormecidas e um duende cintilante que entra sorrateiramente em suas casas à noite para entregar presentes.
Tanto as meias cheias de brinquedos como o próprio Pai Natal são de origem holandesa, derivando da festa anual dos Países Baixos que celebra Sinterklaas, ou São Nicolau, a 5 de dezembro.
Apenas 14 anos mais tarde, quando o poema já se tinha popularizado por todo o mundo e dado forma ao Natal tal como o conhecemos hoje, é que o seu autor se “acusou”: era o académico americano Clement Clarke Moore, que admitiu ter escrito o poema para ler aos seus 9 filhos.
Mas, afinal, o poema de Moore não é assim tão inocente, é até, de certa fora, anti-sistema, e veio romper com alguns estereótipos, o que o tornou bastante polémico.
O professor de literatura explica que este poema evita a religião, retratando um feriado secular que oferece um “Feliz Natal a todos”. Isso contrasta com a opinião de muitos calvinistas de que o Natal deve ser um feriado solene, se é que deve ser celebrado. Moore também alimentou uma disputa contínua sobre a religiosidade do Natal — um debate que, segundo Smith, ainda hoje se mantém.
O poema foi, mais tarde, musicado por artistas como Louis Armstrong e Perry Como, e tornou-se um símbolo inconfundível do Natal. Em quantos filmes não ouviu já dizer “Twas the night before Christmas”?
Quer queiramos quer não, o Natal, desde 1823, nunca mais foi o mesmo. Na introdução ao poema, no jornal, escrevia-se que este representa “aquela personificação caseira, mas deliciosa, da bondade dos pais“. E, no fundo não é isto o Natal?