O nosso planeta é atravessado por cabos de fibra ótica, que estão a ser usados para construir um mapa gigantesco do mundo subterrâneo. Este sistema pode ser crucial para a previsão e mitigação dos danos de sismos futuros.
De acordo com uma estimativa citada pela New Scientist, mais de 4 mil milhões de quilómetros de cabos de fibra ótica serpenteiam por baixo e entre cidades.
Normalmente, não pensamos muito nesta rede física. Preocupamo-nos apenas em receber as chamadas e navegar na Internet. Mas, cada vez mais, os próprios cabos estão a tornar-se uma valiosa fonte de informação sobre o planeta.
Em Istambul, por exemplo, estas fibras revelam informações vitais sobre a forma de proteger as pessoas e as infraestruturas contra futuros terramotos.
Por baixo das ruas da cidade turca, um cabo de fibra ótica pulsa com luz laser. Até há pouco tempo, este troço da “autoestrada da informação” estava inativo. Mas um grupo de investigadores juntou-se para ressuscitar este sistema.
Mas este sistema tem mais aplicações. Em Londres, o sistema permitem que os investigadores meçam o zumbido subterrâneo da agitação; na Islândia é possível acompanhar o estrondo dos vulcões; além disso, permite também mapear as zonas superiores do manto do nosso planeta.
Por uma Terra mais “transparente”
“O objetivo geral é uma Terra transparente“, disse Jonathan Ajo-Franklin, da Universidade Rice, no Texas, à New Scientist, acrescentando que “estas fibras revelaram informações que podem salvar vidas“.
A maioria das redes de telecomunicações está repleta de cabos não utilizados, instalados em antecipação ao tráfego futuro.
Mas há pouco mais de uma década, os sismólogos aperceberam-se de que podiam reutilizar os cabos de fibra ótica para monitorizar os tremores subterrâneos. Esta seria uma forma barata de alargar a cobertura das redes de sismómetros existentes, cuja instalação e funcionamento são dispendiosos.
A elevada resolução espacial obtida com a fibra ótica poderia também criar uma imagem muito mais pormenorizada da subsuperfície – pelo menos a pouca profundidade – do que a que é possível obter com os sismómetros que medem os tremores num único ponto.
Isto deu origem ao campo da deteção acústica distribuída (DAS), referindo-se ao facto de os cabos permitirem medir ondas acústicas em muitos pontos ao longo do seu comprimento.
A indústria do petróleo e do gás foi pioneira na utilização do DAS; já em 2009, a indústria estava a testar formas de monitorizar os abalos nos poços, passando um cabo de fibra ótica com a broca.
A abordagem foi rapidamente adotada para uma vasta gama de aplicações, desde o rastreio do movimento de animais através dos seus passos até à observação de alterações na humidade do solo através da medição da velocidade das ondas que se deslocam através do solo.
Por baixo das nossas cidades…
Novo cabos circundam Atenas e atravessam a capital grega num grande X, o que deverá permitir aos cientistas criar um mapa detalhado e tridimensional da geologia subjacente e do risco sísmico da cidade.
“Para um sismólogo, esta é uma geometria de sonho”, disse, à New Scientist, Andreas Fichtner da ETH Zurich, na Suíça.
Como desvenda a mesma revista, um grupo de investigadores da Universidade de Southampton, no Reino Unido, está também a preparar um projeto ainda maior, utilizando uma rede de fibra escura que liga Southampton, Londres e Cambridge.
“Ninguém fez uma aquisição contínua de dados em grande escala em cidades realmente grandes como esta”, enalteceu o líder dos trabalhos, Rafael Mestre.
Apesar de estas áreas não serem propensas a terramotos, os dados podem ter uma série de aplicações, desde a identificação de fugas em condutas subterrâneas até à avaliação da estabilidade das fundações dos edifícios.
Maior mapa subterrâneo
Entretanto, outros investigadores norte-americanos estão a utilizar estas redes para penetrar nas profundezas do planeta.
O Serviço Geológico dos EUA (USGS) utilizou recentemente uma fibra escura de 100 quilómetros na Califórnia para cartografar a fronteira entre a crosta e o manto da Terra com um pormenor sem precedentes.
A monitorização dos abalos nesta zona poderá permitir aos investigadores mapear esta região complexa com mais pormenor, esclarecendo como é que esta gera terramotos tão fortes.
“É excitante pensar em obter imagens da Terra com uma resolução muito, muito mais elevada. Estamos a tentar utilizar esta fibra para fazer alguma ciência interessante”, James Atterholt, do USGS.
Medir estes tremores de terra no meio dos sinais da Internet poderia, de facto, alargar a nossa visão do interior do planeta em todo o mundo. Será um passo enorme em direção a uma Terra verdadeiramente transparente.
Preocupações sobre privacidade
Esta sensibilidade extraordinária suscita, porém, preocupações em matéria de privacidade e vigilância. As fibras são tão sensíveis que podem, em teoria, ser utilizadas para detetar passos ou mesmo vozes, alerta Rafael Mestre.
“Estas redes vão ser utilizadas e as pessoas nem sequer sabem disso”, aponta.
Os cabos estão concentrados nos locais onde as pessoas vivem, pelo que não são úteis em locais mais remotos. E obter acesso das empresas de telecomunicações e dos governos pode ser uma dor de cabeça, considerou, por seu turno, Fichtner.
De facto, “esta sensibilidade extraordinária levanta preocupações sobre a privacidade e a vigilância“, alertou o especialista.