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Donald Trump
Com os cortes de Trump, os arquitetas e urbanistas norte-americanos podem virar-se para a Europa — numa inversão daquilo que se deu na Segunda Guerra, quando Hitler afugentou os arquitetos europeus para a América.
Com a economia europeia a crescer à boleia das tarifas e com os turistas a optar por fugir dos Estados Unidos devido ao receio de acabarem numa prisão em El Salvador, a Europa parece estar a receber mais um “presente” de Donald Trump — a “fuga de cérebros” americanos em massa, particularmente na arquitetura e no urbanismo.
As primeiras medidas da administração Trump já estão a alarmar os arquitetos e urbanistas americanos, muitos dos quais receiam um clima de arrefecimento para a inovação, a sustentabilidade e a liberdade académica. Os especialistas alertam para o facto de os Estados Unidos poderem vir a enfrentar em breve um êxodo de talentos semelhante àquele de que beneficiaram durante a Segunda Guerra Mundial — só que, desta vez, em sentido inverso.
Durante a era nazi, a repressão de Adolf Hitler contra a arte e a arquitetura “degeneradas” forçou a fuga de muitos urbanistas europeus de renome, sobretudo da escola Bauhaus. Os EUA acolheram estes emigrantes, que deram forma às cidades americanas através de projetos funcionalistas e modernistas que definiram a paisagem urbana do pós-guerra. Agora, numa reviravolta irónica do destino, a Europa pode tornar-se o refúgio dos atuais visionários baseados nos EUA.
A pressão de Trump para reimpor um estilo arquitetónico clássico nos edifícios federais, combinada com cortes radicais no financiamento do desenvolvimento urbano público, agitou a comunidade de design e planeamento. Ao mesmo tempo, as ações contra estudantes internacionais envolvidos em protestos pró-palestinianos, incluindo a sua detenção e ameaças de deportação, aumentaram os receios de que as instituições americanas estejam a tornar-se mais inóspitas para o talento global.
Cruz García, professor da Universidade de Columbia, manifestou ao Politico a sua preocupação com o cancelamento de 400 projetos financiados pela Agência de Proteção Ambiental, muitos dos quais apoiavam comunidades marginalizadas. Os académicos que dependiam de subsídios federais já estão a receber avisos de rescisão, levando muitos a considerar ir para o estrangeiro.
O Departamento de Eficiência Governamental de Trump, liderado por Elon Musk, reduziu os orçamentos do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano, eliminando um plano de mil milhões de dólares para habitação acessível resistente ao clima. De igual modo, o Departamento dos Transportes reviu os projetos destinados a reduzir as emissões e a melhorar as comunidades carenciadas, com possíveis cortes no financiamento das ciclovias.
Billy Fleming, da Universidade de Temple, advertiu que as políticas de Trump ameaçam desestabilizar as escolas de arquitetura, especialmente as que dependem de estudantes internacionais. “Os ataques aos titulares de vistos de estudante podem pôr em causa os seus modelos financeiros”, afirmou, levantando a possibilidade de encerramento de programas ou instituições inteiras.
Os líderes europeus já se estão a preparar para atrair os profissionais americanos desiludidos. Ruth Schagemann, presidente do Conselho de Arquitetos da Europa, salientou o forte apoio do continente à inovação, à sustentabilidade e à liberdade académica. “A base da Europa nestes domínios permite-lhe atrair talentos”, afirmou.
A historiadora Barbara Steiner, da Fundação Bauhaus Dessau, estabeleceu paralelos entre os mandatos estilísticos de Trump e os esforços de Hitler para suprimir o design progressista. Na década de 1930, os arquitectos da Bauhaus foram obrigados a exilar-se, tendo muitos deles ido para os EUA, onde deixaram uma marca duradoura no desenvolvimento urbano.
Entre os emigrantes mais influentes estão o fundador da Bauhaus, Walter Gropius, que ingressou na Graduate School of Design de Harvard, e Mies van der Rohe, que transformou Chicago e Nova Iorque com os seus arranha-céus de aço e vidro. O emigrante austríaco Victor Gruen, desiludido com os subúrbios norte-americanos centrados no automóvel, inventou o centro comercial como um espaço público amigo dos peões, embora mais tarde tenha lamentado a sua comercialização.
Com a política dos EUA a afastar-se destes valores, a questão que se coloca é se a próxima geração de urbanistas se sentirá mais à vontade no estrangeiro. “Em que momento é que continuar este trabalho noutro lugar se torna a escolha mais viável ou ética?”, pergunta García.
Enquanto os EUA correm o risco de se isolarem das correntes intelectuais globais, a Europa parece estar pronta a colher os frutos de uma nova vaga de arquitetos visionários — tal como a América fez em tempos.