A segunda audiência do comité parlamentar que investigou os acontecimentos de 6 de Janeiro de 2021 deixou claro que vários membros da equipa de Trump o tentaram convencer de que as acusações de fraude eleitoral eram infundadas.
No segundo dia de audiências do comité da Câmara dos Representantes que está a investigar os acontecimentos da invasão ao Capitólio a 6 de Janeiro de 2021, foram desmontadas mais teorias da conspiração que levaram os apoiantes de Donald Trump a tentar bloquear a nomeação de Joe Biden — e foram ouvidos mais testemunhos que deixam o ex-Presidente mal na fotografia.
Vários funcionários da Casa Branca próximos de Trump, incluindo o seu próprio procurador-geral, Bill Barr, afirmam que avisaram o então chefe de Estado de que as suas acusações de que a eleição tinha sido fraudulenta eram infundadas e aconselharam-no a não se declarar vitorioso na noite eleitoral, enquanto os votos ainda não estavam contados na totalidade.
“Vamos contar uma história sobre como Donald Trump perdeu uma eleição e sabia que a tinha perdido e como resultado disso, decidiu atacar a nossa democracia“, começou o presidente Democrata do comité, o representante Bennie Thompson.
De acordo com Liz Cheney, congressista Republicana que é vice-presidente do comité, Trump ignorou os alertas de vários funcionários e preferiu antes seguir os conselhos de Rudy Giuliani, ex-autarca de Nova Iorque e um dos responsáveis pela sua campanha, que na altura estava “aparentemente embriagado” e alimentou as suas paranóias sobre a suposta fraude.
O caso teve também repercussões nos media, com Chris Stirewalt, que na altura era editor político na estação televisiva conservadora Fox News — cuja cobertura era geralmente favorável ao então Presidente — a afirmar que decidiu noticiar que Joe Biden tinha vencido o Arizona porque Trump não tinha fundamentos para declarar a vitória neste estado decisivo.
Depois de Trump perder o Arizona, as suas hipóteses de vencer a eleição já eram practicamente inexistentes e Stirewalt acrescenta que a sua decisão de noticiar a vitória de Biden acabou por levar ao seu despedimento, algo que a Fox News nega.
O comité também antecipava o testemunho presencial de Bill Stepien, o ex-dirigente da campanha de Trump, mas este não pode estar presente porque a sua esposa entrou em trabalho de parto.
O dirigente foi um dos conselheiros que tentou dissuadir Trump de espalhar mentiras sobre a alegada fraude eleitoral, com a equipa dividida entre apoiar Stepien ou Giuluani. “Nós estávamos divididos entre a minha equipa e a equipa do Rudy. Não me importo de ter sido categorizado como a ‘equipa normal’“, revelou no testemunho gravado, sublinhando que Trump estava “cada vez mais insatisfeito” à medida que os resultados eleitorais eram revelados.
Já o ex-procurador-geral Bill Barr, que depôs à porta fechada no início do mês, terá tentado repetidamente convencer o ex-Presidente de que não houve fraude eleitoral. “Eu disse-lhe que as coisas que as pessoas dele estavam a dizer ao público eram treta. Fiquei um bocado desmoralizado porque pensei ‘se ele acredita mesmo nestas coisas, ele está desligado da realidade‘”, atirou Barr.
Trump terá ficado “indignado” quando a sua narrativa “falaciosa e idiota” era contrariada. “O Presidente estava mais zangado do que alguma vez o tinha visto e estava a tentar controlar-se. Ele disse: ‘Isto está a matar-me. Não tens de dizer isso. Estás a dizer isso porque odeias o Trump'”, acrescentou o antigo procurador-geral.
Para além de Barr, o genro de Trump e marido de Ivanka, Jared Kushner também o terá tentado convencer de que não houve qualquer fraude. Durante meses, houve tentativas constantes por parte da equipa de conselheiros, mas foram todas em vão.
Milhões angariados para fundo fraudulento
Já a congressista Zoe Lofgren recorda que os Republicanos usaram as acusações de fraude para apelarem aos seus apoiantes que lhes enviassem doações através de milhões de emails onde pediam dinheiro para o “Fundo de Defesa das Eleições”, algo que um ex-membro da equipa da campanha descreveu como uma “táctica de marketing”.
“A grande mentira também foi uma grande burla“, acusou Lofgren, referindo-se ao fundo que recolheu mais de 250 milhões de euros através de pequenas doações. O último email terá sido enviado apenas meia hora antes do início da invasão ao edifício do Capitólio.
Esta é já a segunda audiência no âmbito da investigação à invasão ao Capitólio, depois de na semana passada o comité já ter começado a revelar testemunhos que responsabilizam pessoalmente Donald Trump pelo planeamento da insurreição dos seus apoiantes. Estão marcadas ainda mais quatro audiências.
Em resposta às revelações feitas pelo comité, Trump emitiu um comunicado de 12 páginas onde descreve a investigação como uma distração e fala num “tribunal canguru”, voltando a afirmar que foi vítima de um esquema de fraude eleitoral.
Recorde-se que ainda na semana passada, o ex-Presidente elogiou os acontecimentos de 6 de Janeiro, considerando-os parte de um movimento histórico que vai “tornar a América grandiosa novamente”.
As audiências podem acabar por fazer mossa na popularidade de Donald Trump e dificultar uma eventual recandidatura à Casa Branca em 2024. No entanto, caso as descobertas do comité não tenham impacto nos americanos, o país pode estar prestes a ser alvo de uma nova tentativa de golpe de estado, segundo Thompson.
“Reduz-se tudo a números. O mínimo que esperamos de qualquer pessoa que procurar ocupar um cargo de confiança pública é a aceitação da vontade popular, caso ganhem ou percam”, remata.