Tribo amazónica processa o New York Times por difamar os seus membros

Victor Moriyama / The New York Times

Imagem de capa do artigo do The New York Times sobre o povo Marubo

Um processo judicial por difamação apresentado pelo povo Marubo alega que os seus membros foram retratados como viciados em tecnologia e obcecados por pornografia, após terem tido o primeiro contacto com a internet.

Uma tribo indígena da Amazónia brasileira processou o The New York Times, alegando que a reportagem do jornal nova-iorquino sobre a primeira exposição da tribo à Internet levou a que os seus membros fossem exageradamente retratados como viciados em tecnologia e em pornografia.

A ação intentada pela tribo Marubo, oriunda do remoto vale do Javari, uma comunidade de cerca de 2.000 pessoas, foi apresentada esta semana num tribunal de Los Angeles, e pede centenas de milhões de dólares de indemnização.

O processo inclui também o TMZ e o Yahoo como réus, alegando que a cobertura que deram à história amplificou e sensacionalizou a reportagem do Times, difamando a tribo no processo.

“Estas declarações não só foram inflamatórias como transmitiram ao leitor comum que o povo Marubo tinha caído num declínio moral e social como resultado direto do acesso à Internet”, afirma o processo judicial apresentado na quinta-feira, citado pelo The Guardian.

“Tais representações vão muito além do comentário cultural; atacam diretamente o caráter, a moralidade e a posição social de um povo inteiro, sugerindo que lhes falta a disciplina ou os valores para funcionar no mundo moderno.”

Numa declaração à Associated Press, um porta-voz do NYT afirmou que “qualquer leitura justa deste artigo mostra uma exploração sensível e com nuances dos benefícios e complicações da nova tecnologia numa aldeia indígena remota com uma história orgulhosa e cultura preservada”.

“Pretendemos defender-nos vigorosamente contra o processo judicial”, assegura o porta-voz do jornal nova-iorquino.

Segundo a reportagem do NYT, menos de um ano após a introdução do serviço de internet, a comunidade enfrentava agora o mesmo tipo de dificuldades com os efeitos omnipresentes da Internet e a proliferação de smartphones que grande parte do mundo tem enfrentado há anos.

O texto enumera alguns desses desafios: “adolescentes colados aos telemóveis, grupos de conversação cheios de mexericos, redes sociais viciantes, jogos violentos, burlas, desinformação, e menores a ver pornografia“.

A reportagem acrescenta que o líder da tribo, Alfredo Marubo, estava “perturbado com a pornografia. Disse que jovens estavam a partilhar vídeos explícitos em grupos de conversação, um desenvolvimento surpreendente para uma cultura que desaprova beijos em público“.

“Estamos preocupados que os jovens queiram experimentar os atos que veem nos vídeos”, acrescenta Marubo, que diz ter sentido um aumento da agressão sexual entre os jovens desde que a Starlink trouxe este “presente envenenado” que é a Internet.

O artigo não faz qualquer outra menção a pornografia, mas esse aspeto da história foi amplificado e agregado por outros meios de comunicação, incluindo a TMZ, que publicou uma história e vídeo com o título “A internet Starlink de Elon Musk deixa uma tribo remota viciada em pornografia”.

As perceções erradas originadas pela forma como o TMZ e Yahoo propagaram a história levaram o Times a publicar um artigo de seguimento, no qual é clarigficado que “o povo Marubo não está viciado em pornografia“.

“Não havia qualquer indício disso na floresta, e não havia qualquer sugestão disso no artigo do The New York Times”, lê-se no texto do segundo artigo.

Isso não satisfez a tribo, que afirma no processo que a história “não reconheceu o papel que o próprio NYT desempenhou ao alimentar a narrativa difamatória. Em vez de emitir uma retratação ou pedido de desculpas, o artigo de seguimento minimizou a ênfase do artigo original na pornografia, transferindo a culpa para agregadores terceiros”.

De acordo com a reportagem do New York Times, os líderes da tribo acreditam que, apesar de tudo, a internet “trará muito mais benefícios do que prejuízos, pelo menos por enquanto”. E talvez umas centenas de milhões de dólares ajudem o seu povo a prosperar.

Armando Batista, ZAP //

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