Timorenses em Portugal: Ramos-Horta quer punição, Marcelo só incentivou “universitários”

Rodrigo Antunes / EPA

O Presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta, e o seu homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa

O Presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta, disse esta segunda-feira que o país está determinado em “identificar e punir” os “grupos sem escrúpulos” que enganam os jovens timorenses com promessas de trabalho em países como Portugal e outros.

José Ramos-Horta falava numa conferência de imprensa no Palácio de Belém, juntamente com o seu homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, que o recebeu no âmbito de uma visita que o chefe de Estado timorense realiza a Portugal, avançou a agência Lusa.

Por seu lado o Presidente português realçou que as suas declarações em Díli a incentivar jovens timorenses a visitarem Portugal foram feitas perante um “público específico” de universitários.

Na conferência de imprensa conjunta, a comunicação social perguntou a Marcelo se considera que as suas palavras em Díli podem ter contribuído para a recente vaga de imigração de timorenses para Portugal.

“Relativamente à questão da mobilidade e daquilo que foi dito aquando da minha visita a Timor-Leste, eu fui muito preciso, falei para estudantes universitários e até acrescentei: mas não venham muitos, venham em fatias moderadas. Eu até disse, ironicamente: se não cria-se um problema em Portugal, financeiro, económico”, respondeu o chefe de Estado.

“Falava para aquele público, aquele destinatário, público específico”, reforçou Marcelo, referindo-se a declarações que fez em 21 de maio na Universidade Nacional de Timor Lorosa’e durante a sua visita de Estado a Timor-Leste.

Nessa ocasião, o Presidente da República conversou e respondeu a perguntas de um grupo de alunos universitários, deixou-lhes uma série de conselhos para a vida e no fim incentivou-os a estreitarem a sua ligação a Timor-Leste, mas também a Portugal.

Ramos Horta disse que a “situação resulta de atos ilegais de grupos, de elementos sem escrúpulos” em Timor-Leste, que “fazem promessas falsas aos jovens”. “É um fenómeno muito comum em todo o mundo, em particular nos países em vias de desenvolvimento, arrasta-se há décadas”, referiu.

E acrescentou: “Timor-Leste é um país livre e democrático, sem constrangimentos nas entradas e saídas das pessoas, timorenses ou não. É muito mais fácil a esses grupos venderem a ilusões de que em Portugal, Alemanha, Canadá, que ali encontrarão melhores empregos, etc.”.

“Esse processo foge ao processo normal que tem sido conduzido sempre por instituições do Estado”, disse, referindo-se aos programas em vigor, que o próprio promoveu, envolvendo Timor-Leste e a Coreia do Sul e a Austrália.

“Temos um programa de jovens trabalhadores timorenses que vão à Coreia do Sul”, com mais de 2.000 num processo que “vai continuar, com vantagens óbvias, em termos de salários, aprendizagem de novas profissões enquanto estão na Coreia do Sul, novos hábitos de disciplina de trabalho e são embaixadores de boa vontade entre Timor-Leste e a Coreia do Sul”, explicou.

Segundo Ramos-Horta, “o mesmo acontece na Austrália, onde há um programa para trabalhadores sazonais, que começou há cinco, seis anos, um programa muito modesto”, que também lançou quando era ministro dos Negócios Estrangeiros.

“Na altura, a Austrália nuca teve essa experiência de trabalhadores timorenses, também não foi fácil e hoje o programa corre muito bem e via mecanismos do Estado”, acrescentou.

“A vinda para cá [Portugal] tem outra dimensão, porque, para ir para a Austrália ou a Coreia do Sul passa por um processo burocrático timorense e do país anfitrião”, referiu. Já a deslocação para Portugal assenta na “mobilidade que Portugal permite, o passaporte permite, com a manipulação das pessoas ditas de agências de viagem”.

“Do lado timorense, é obrigação nossa identificar e punir, segundo a lei, os que enganam os jovens, com a cobrança de dinheiro, que vai de 3.000 até 5.000 dólares, com juros elevadíssimos”, advogou.

Ramos-Horta referiu que “este problema não escamoteia ou escamoteia as outras dificuldades que Timor-Leste enfrenta, como outros países, sobretudo com a covid-19 e a guerra na Ucrânia, em que há uma pressão social muito maior”.

Apesar disso, o chefe de Estado considerou que “o Governo tem lançado e realizado os mais variados programas para suavizar o impacto social do problema da pandemia e da guerra na Ucrânia, com a subida dramática do preço do combustível e dos géneros alimentares”.

Na sua declaração após o encontro entre os dois Presidentes, o chefe de Estado português abordou a questão dos imigrantes timorenses, revelando que, desde janeiro, se registaram 5.514 entradas e 4.141 saídas.

Sobre a atual comunidade de cerca de 1.300 cidadãos timorenses, 873 estão localizados e a esmagadora maioria, mais de 500, em condições de habitabilidade e acolhimento. No final do encontro com Marcelo, Ramos-Horta disse aos jornalistas que espera, com esta visita de Estado, “encorajar as empresas portuguesas a investir em Timor-Leste”.

E argumentou que, apesar da economia de Timor-Leste não ultrapassar os 1,5 milhões de habitantes, a adesão plena do país à Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) irá traduzir-se em “700 milhões de pessoas, quatro triliões de dólares do PIB conjunto e uma classe média alta de mais de 200 milhões de pessoas”.

Sobre possíveis interesses dos investidores portugueses em Timor-Leste, enumerou a indústria farmacêutica, a engenharia médica, o calçado, a moda, a roupa, as conservas e a área da construção. Para o chefe de Estado, “há um campo amplo de possível cooperação”, recordando que Timor-Leste detém “um fundo soberano bastante bom – 19 biliões de dólares”.

“Se resolvermos a questão do grande campo de gás [campo Greater Sunrise, ao largo de Timor-Leste], que promete agora uma solução mais rápida, poderemos chegar a acordo no próximo ano, o que significará dezenas de biliões de dólares para Timor-Leste”, disse.

Questionado pelos jornalistas sobre o bispo timorense Ximenes Belo, visado em denúncias de abusos sexuais de menores, Ramos-Horta disse não comentar o assunto, “por respeito” ao “processo conduzido pela Santa Sé”, que está a decorrer.

Lusa //

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