Tikal meteu-se com a formidável Teotihuacan. Pagou a audácia durante séculos

Garrison, T.G., Hurst, H / Brown University

A cidadela de Tikal, na Guatemala, analisada com LIDAR

Um altar recentemente descoberto, enterrado perto do centro da antiga cidade maia de Tikal, na Guatemala, está a lançar nova luz sobre as tensões de 1600 anos entre Tikal e a capital central mexicana de Teotihuacan.

A poucos passos do centro de Tikal, uma cidade maia com 2.400 anos, no coração da atual Guatemala, uma equipa de investigadores desenterrou um altar enterrado que poderá desvendar os segredos de uma época misteriosa de agitação no mundo antigo.

O altar, construído por volta do final dos anos 300 d.C., está decorado com quatro painéis pintados de vermelho, preto e amarelo, representando uma pessoa com um toucado de penas e flanqueada por escudos ou regalia.

O rosto, com olhos amendoados, um nariz e um pavilhão auricular duplo, assemelha-se muito a outras representações de uma divindade apelidada de “Deus da Tempestade” no México central.

Num estudo publicado esta terça-feira na revista Antiquity, os investigadores de Brown, juntamente com co-autores dos Estados Unidos e da Guatemala, argumentam que o altar pintado não foi obra de um artista maia.

Em vez disso, acreditam que foi criado por um artesão altamente qualificado, que terá sido formado em Teotihuacan — a formidável potência antiga cuja sede se situava a 630 milhas a oeste, nos arredores da atual Cidade do México.

“É cada vez mais claro que este foi um período extraordinário de turbulência em Tikal”, diz Stephen Houston, professor de antropologia e história da arte da Universidade de Brown, em comunicado da Universidade.

“O que o altar confirma é que líderes ricos de Teotihuacan vieram a Tikal e criaram réplicas de instalações rituais que teriam existido na sua cidade natal. Isso mostra que Teotihuacan deixou uma forte marca em Tikal”.

Representação do altar descoberto em TIkal

Mesmo antes de descobrirem o altar, Houston e os seus colegas sabiam que os Maias interagiram com Teotihuacan durante séculos, antes de a sua relação se tornar mais estreita.

Fundada em cerca de 850 a.C., Tikal existiu durante gerações como uma pequena cidade com pouca influência — antes de se transformar numa dinastia por volta do ano 100 d.C.

Os arqueólogos têm provas de que Tikal e a muito mais poderosa Teotihuacan começaram a interagir regularmente cerca de dois séculos mais tarde. O que no início parecia ser uma relação comercial casual, explica Houston, rapidamente se tornou algo mais contencioso.

É quase como se Tikal tivesse picado a fera e chamasse demasiado a atenção de Teotihuacan”, realça o investigador. “Foi nessa altura que os estrangeiros começaram a chegar à região”.

Um antigo golpe de estado

Segundo explica Houston, ao longo de várias décadas, os académicos recolheram provas crescentes de uma relação pouco amigável entre as duas cidades.

A investigação começou nos anos 60, quando os arqueólogos encontraram uma pedra cortada e mutilada com um texto bem preservado que descrevia o conflito em termos gerais.

Graças ao texto da pedra, ficaram a saber que “por volta de 378 d.C., Teotihuacan estava essencialmente a decapitar um reino“, disse Houston. “Removeram o rei local e substituíram-no por um rei fantoche que provou ser um instrumento local útil para Teotihuacan”.

Décadas mais tarde, usando a tecnologia de deteção e alcance de luz (LiDAR), uma equipa da U.Brown descobriu uma réplica em escala reduzida da cidadela de Teotihuacan nos arredores do centro de Tikal, enterrada sob o que os arqueólogos acreditavam ser colinas naturais.

A descoberta sugere que, nos anos antes da sua queda, a presença de Teotihuacan na cidade maia envolveu provavelmente um elemento de ocupação ou vigilância.

Segundo Andrew Scherer, professor de Antropologia e Arqueologia na U.Brown e coautor do estudo, o altar foi construído por volta da altura do golpe.  Mas o exterior do altar, meticulosamente pintado, não é a única prova da presença da mão pesada da capital.

No interior do altar, os arqueólogos encontraram uma criança enterrada numa posição sentada, uma prática rara em Tikal mas comum em Teotihuacan, e um adulto enterrado com uma ponta de dardo feita de obsidiana verde; o material usado e o desenho da ponta de dardo são característicos de Teotihuacan.

O facto de o altar e a área à sua volta terem sido enterrados mais tarde, diz Scherer, cimenta a teoria da equipa de investigação de que a presença de Teotihuacan deixou Tikal para sempre mudada — e até marcada.

“Os maias enterravam regularmente edifícios e reconstruíam-nos por cima“, explica Scherer. “Mas aqui, eles enterraram o altar e os edifícios circundantes e simplesmente deixaram-nos assim — quase como se fosse uma zona radioactiva, o que mostra os sentimentos complicados que tinham em relação a Teotihuacan”.

Poder gera poder

“Complicado” é uma forma adequada de descrever a memória colectiva de Tikal sobre o golpe de Teotihuacan, diz Houston.

O evento pode ter abalado Tikal até ao seu âmago, mas acabou por tornar o antigo reino mais poderoso: ao longo dos séculos seguintes, Tikal tornou-se uma dinastia quase inigualável, antes de entrar em declínio, por volta de 900 d.C., juntamente com o resto do mundo maia.

“Há uma espécie de nostalgia em relação a essa época, quando Teotihuacan estava no auge do seu poder e a interessar-se cada vez mais pelos maias”, diz Houston. “Olhavam para trás quase com saudade. Mesmo quando estavam em declínio, continuavam a pensar na política local no contexto desse contacto com o México central”.

À medida que vão descobrindo mais pormenores sobre a história controversa de Teotihuacan e Tikal, Houston e Scherer dizem que ambos ficam impressionados com quão familiar  parece: um império todo-poderoso encontra o paraíso e decide pilhar as suas riquezas.

“Toda a gente sabe o que aconteceu à civilização azteca depois da chegada dos espanhóis”, disse Houston.

“As nossas descobertas mostram que é uma história tão antiga como o tempo. Estas potências do México central entraram no mundo maia porque o viam como um lugar de riqueza extraordinária, de penas especiais de aves tropicais, jade e chocolate. Para Teotihuacan, era a terra do leite e do mel“.

ZAP //

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