Universal Pictures

Matt Damon em A Odisseia, o próximo filme de Christopher Nolan, com estreia prevista para 2026.
Realizador está a ser muito criticado por filmar a muito esperada película, cujos bilhetes esgotaram a um ano da estreia, no Saara Ocidental, território ocupado por Marrocos. Portugal está do lado dos marroquinos nesta “odisseia”.
Vai custar 217,8 milhões de euros e será o primeiro filme de sempre totalmente filmado com câmaras Imax, concebidas para captar imagens com resolução excecionalmente elevada, com uma película de grande formato que permite exibir imagens muito maiores com nitidez e detalhe sem precedentes, nos grandes ecrãs Imax, que se encontram em cinemas por todo o mundo.
Mas como a maioria das obras monumentais, “The Odyssey” (“A Odisseia”), de Christopher Nolan, não foge a polémica.
“Normalizar ocupação” do povo saharauí
Nolan está a ser duramente criticado por ter escolhido a cidade de Dakhla, no Saara Ocidental, como um dos cenários para o filme. A equipa de filmagem chegou há duas semanas à região, que está há 50 anos sob ocupação marroquina, desde a descolonização espanhola.
Várias organizações e personalidades acusam agora o cineasta de contribuir para a normalização da ocupação e para a desvalorização da identidade do povo saharauí. A denúncia partiu inicialmente dos organizadores do Festival Internacional de Cinema do Saara Ocidental (FiSahara).
“Ao filmar parte de ‘A Odisseia’ num território ocupado, Nolan e a sua equipa, talvez sem saber e sem querer, estão a contribuir para a repressão marroquina do povo sarauí e para os esforços do regime marroquino para normalizar a ocupação do Saara Ocidental”, disse María Carrión, diretora executiva da FiSahara, em comunicado, lembrando que o território é, segundo os Repórteres sem Fronteiras, um “buraco negro de notícias” e um “deserto para jornalistas“.
“A tortura, as detenções, os abusos físicos, a perseguição, a intimidação, o assédio, a calúnia, a difamação, a sabotagem tecnológica e as longas penas de prisão são o quotidiano dos jornalistas saharauis”, aponta o relatório dos RSF.
“Temos a certeza de que se compreendessem todas as implicações de filmar um filme de alto nível num território cujos povos indígenas não podem fazer os seus próprios filmes sobre as suas histórias sob ocupação, Nolan e a sua equipa ficariam horrorizados”, chuta a responsável.
Na região, “as autoridades continuaram a restringir a dissidência e os direitos à liberdade de associação e de reunião pacífica”, apontou a Amnistia Internacional no mais recente relatório, de abril.
O Saara Ocidental é considerado pela ONU um “território não autónomo” que continua a lutar pela independência. O governo de Marrocos reclama a posse da maior parte do território, apesar da oposição dos saharauís e da comunidade internacional.
Foi assinada, em 1991, a paz entre o reino marroquino e o movimento independentista, Frente Polisário, sob a égide da ONU e com a promessa de um referendo sobre o futuro do território. No entanto, o cessar-fogo terminou em 2020, quase 30 anos depois, após Marrocos retomar as operações militares na passagem de El Guergarat, uma zona-tampão entre o território reivindicado pelo Estado de marroquino e pela auto-proclamada República Árabe Democrática Sahrawi.
O festival apelou a Nolan, à sua equipa e ao ‘carregadíssimo’ elenco — que conta com estrelas como Matt Damon (Ulisses), Anne Hathaway (Penélope), Charlize Theron (Circe), Robert Pattinson (Hermes), Tom Holland (Telémaco), Zendaya (Atena) e Lupita Nyong’o, entre outras — para demonstrarem solidariedade com o povo indígena saharauí, “sob ocupação militar há 50 anos e regularmente presos e torturados pela sua luta pacífica pela autodeterminação”.
O ator Javier Bardem foi um dos poucos que se pronunciou sobre o assunto com uma dura crítica nas redes sociais.
“Durante 50 anos, Marrocos ocupou o Sara Ocidental, expulsando o povo sarauí das suas cidades. Dakhla é uma delas, convertida pelos ocupantes marroquinos num destino turístico e agora num cenário de cinema, sempre com o objetivo de apagar a identidade saharaui da cidade. Mais uma ocupação ilegal, mais uma repressão contra um povo, o saharaui, injustamente saqueado com a aprovação dos governos ocidentais, incluindo o espanhol”, escreveu o galardoado ator espanhol.
Na semana passada, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, considerou a proposta marroquina de atribuir maior autonomia ao Saara Ocidental, mas sob a soberania do Rei de Marrocos, a “base mais séria, credível e construtiva” para uma solução para o conflito.
Nolan ainda não reagiu publicamente às críticas.
Um filme como nunca foi feito
“A Odisseia” será o filme mais caro da carreira do realizador, que “namora” o formato IMAX desde o The Dark Knight (Cavaleiro das Trevas, 2008).
A versão do épico de Homero do realizador de Inception, Interstellar e Oppenheimer (entre outros clássicos) só chegará às salas de cinema a 17 de julho de 2026, mas os primeiros bilhetes esgotaram um ano antes da estreia (e sim, foi provavelmente a pré-venda mais distanciada da estreia na história do cinema).
Apenas 26 salas de cinema no mundo possuem o equipamento e a equipa técnica necessários para projetar neste formato, o preferido de Nolan, que desde o ‘seu’ Batman ambicionava ir mais longe. Na Europa, só Londres e Praga conseguiram ter o privilégio dos primeiros bilhetes.
Já o vencedor de Óscar de Melhor Filme de 2024, Oppenheimer, foi totalmente filmado em película IMAX de 65mm, mas A Odisseia é mais ambicioso, com 70mm e filmado com câmaras IMAX. Nolan terá convencido a IMAX a fazer versões mais silenciosas das câmaras para permitir a gravação dos diálogos.