Estamos ligados ao dinheiros desde o berço, por questões se sobrevivência. Mas será que o dinheiro pode trazer felicidade? E amigos? A psicologia revela como podemos ter uma melhor relação com o dinheiro.
Dinheiro, dinheiro, dinheiro… Temos atitudes tão diferentes em relação ao dinheiro, mas os tabus fazem com que, por fezes, seja difícil falar dele.
Como resultado, o dinheiro pode afetar as relações que, de outra forma, seriam felizes.
Como escreve a New Scientist, esta situação é exacerbada pelas crescentes divisões financeiras.
Só recentemente os psicólogos começaram a perceber verdadeiramente por que razão o dinheiro é um tema profundamente emocional – repleto de significados e crenças – em vez de ser simplesmente uma necessidade para pagar as contas.
O dinheiro pode comprar a felicidade?
Um facto óbvio sobre o dinheiro é que, a um nível básico, é claro que é importante: compra-nos o essencial para a sobrevivência. Mas, de forma mais controversa, também se pode afirmar que o dinheiro também pode comprar felicidade.
Vários estudos citados pela New Scientist comprovaram que, à medida que os rendimentos aumentam, o bem-estar também aumenta.
A prova do profundo impacto psicológico do dinheiro é visível até em imagens cerebrais. O facto de sofrermos uma perda ou de sermos atingidos por uma conta inesperada ativa regiões semelhantes às que se ativam quando sentimos dor, em especial dor social, como a de sermos ostracizados por amigos.
E quando o dinheiro é escasso – como acontece a muitas pessoas neste momento – os neurónios disparam na amígdala e no hipocampo do cérebro, iniciando a resposta fisiológica ao stress.
Tudo isto afeta a saúde mental e física, explicou à New Scientist Giulia Sesini, psicóloga da Universidade Católica do Sagrado Coração em Milão, Itália.
“As preocupações financeiras constantes levam à sobrecarga cognitiva. Quando isto acontece, os nossos recursos cognitivos estão tão ocupados a concentrar-se em potenciais ameaças e problemas que podem prejudicar a nossa capacidade de tomar boas decisões financeiras e de vida”, afirma.
Ligados ao dinheiro desde o berço
Independentemente do seu património, a forma como duas pessoas pensam sobre o dinheiro é diferente. Os psicólogos estão agora a colmatar essa lacuna.
A nossa reação ao dinheiro – ou pelo menos ao seu equivalente em termos de recursos materiais – começa mais cedo do que se possa imaginar.
Uma nova investigação indica que, aos 15 meses, os bebés já começam a avaliar as pessoas com base em indicadores de riqueza e preferem interagir com aqueles que parecem mais ricos.
Como refere Sesini, “isto pode parecer mercenário, mas em termos evolutivos, as manifestações de riqueza são indicadores honestos de aptidão” – e faz sentido que as crianças se associem a indivíduos aptos porque isso aumenta as suas hipóteses de sobrevivência.
Dado que a compreensão de quem tem bens e do que isso significa se instala cedo, não é surpreendente que o rendimento, a classe social e os hábitos financeiros dos pais tenham um grande impacto nas crianças.
Padrões curiosos quanto ao dinheiro
Os psicólogos têm utilizado uma variedade de questionários que captam as perceções, crenças e sentimentos relacionados com o dinheiro.
Recentemente, Sesini liderou duas grandes análises deste tipo de investigação.
Primeira análise
Na primeira, analisou os resultados de 226 artigos que exploravam uma série de fatores potencialmente influentes, como a idade, a personalidade, os valores pessoais e a riqueza.
Alguns padrões eram bastante claros: Por um lado, as pessoas mais jovens tendem a atribuir maior importância ao dinheiro e a associá-lo mais fortemente ao poder e à liberdade. São também mais ansiosos em relação ao dinheiro.
Alguns traços de personalidade também são influentes: o neuroticismo e a conscienciosidade, por exemplo, podem aumentar a ansiedade financeira. As pessoas conscienciosas são frequentemente menos materialistas.
Por seu turno, os introvertidos são mais suscetíveis do que os extrovertidos de ver o dinheiro como um mal. Existe também uma ligação entre o “amor ao dinheiro” e comportamentos pouco éticos, como a mentira e a batota.
Segunda análise
Numa segunda investigação, Sesini e os seus colegas analisaram as diferenças entre homens e mulheres.
Os homens inquiridos tendiam a ver o dinheiro como uma forma de controlar, influenciar e impressionar as outras pessoas, e como um símbolo de poder e prestígio.
Já as mulheres tinham mais probabilidades de ver o dinheiro como uma fonte de ansiedade e stress, mas também de o associar à segurança e ao amor.
De um modo geral, os homens tiveram pontuações mais elevadas em termos de “amor ao dinheiro” do que as mulheres e tinham mais probabilidades de acreditar que o facto de se tornarem mais ricos os tornaria mais atraentes e desejáveis.
As pessoas que veem o dinheiro como um sinal de poder, estatuto e prestígio tendem a ser mais impulsivas, menos amigáveis e mais maquiavélicas – astutas, calculistas e sem escrúpulos.
O dinheiro não faz amigos
As investigações também revelaramm por que razão as demonstrações ostensivas de riqueza são muitas vezes um ‘tiro pela culatra’.
Embora vários estudos indiquem que as pessoas tendem a pensar que exibir o dinheiro as ajudará a conquistar amigos, um estudo de 2021, citado pela New Scientist descobriu o contrário.
“A sinalização de riqueza revela duas coisas: que uma pessoa é rica e que decidiu exibir a sua riqueza. É a ostentação que é má para a sua imagem“, afirmou Deborah Small, da Universidade de Yale, que fez parte do estudo.
Ser materialista – ou seja ter um enfoque excessivo na aquisição de riqueza e de bens que demonstrem estatuto – prejudica as relações.
Uma estudo publicado em outubro do ano passado atesta isso mesmo. Quando os investigadores da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, expuseram pessoas a mensagens centradas no dinheiro e relacionadas com o estatuto, estas passaram a ter expectativas mais elevadas em relação aos outros, o que gerou insatisfação com as pessoas que as rodeavam.
Mas ser não-materialista não é necessariamente um caminho melhor.
No seu estudo sobre a influência de vários fatores nas atitudes financeiras, Sesini descobriu que as pessoas menos materialistas tendem a ter uma abordagem mais “conservadora e retentiva” em relação ao dinheiro – o que pode estragar relações.
Mas devemos fazer-nos amigos do dinheiro
E como?
Tendo em conta estas conclusões – e a aparente corda bamba entre ter dinheiro suficiente e manter uma espécie de distância psicológica em relação a ele – a pergunta de um milhão de euros é: Como ser amigo do dinheiro?
É claro que não existe uma resposta certa. No entanto, os psicólogos destacam que é fundamental ter consciência de como o dinheiro manipula a nossa mente.
Pergunte a si próprio: Como é que me sinto quando penso em dinheiro?
A solução é encarar e falar sobre o dinheiro sem tabus.
“Esta simples pergunta pode revelar muito sobre a nossa relação com o dinheiro e oferecer informações valiosas sobre as nossas atitudes e emoções pessoais”, explica Giulia Sesini. Quanto à resposta: “Falar sobre estas sensações pode beneficiar as relações em geral”.