A gigante do comércio online Temu compete com a rival Alibaba pelo primeiro lugar das empresas chinesas mais valiosas. Muitos portugueses já usam a aplicação.
Um número recorde de 123 milhões de americanos viram este ano o Super Bowl, a final da principal liga de futebol americano dos Estados Unidos.
Além de assistirem ao maior evento desportivo do país e ao espetáculo de Taylor Swift no intervalo, os espetadores foram também expostos a seis anúncios de 30 segundos da gigante chinesa de comércio eletrónico Temu.
Considerada uma “mistura de Shopee e Shein“, a empresa de vendas online tem sido criticada por políticos no Reino Unido e nos EUA pelas suas práticas laborais.
Uma investigação do governo americano concluiu no ano passado que há um “risco extremamente elevado” de que os produtos da Temu possam ter sido fabricados com trabalho análogo à escravidão, mas a empresa afirma que “proíbe estritamente” o uso de trabalho forçado, penal ou infantil por todos os seus vendedores.
A empresa, que vende de tudo — de roupas a dispositivos eletrónicos e móveis — entrou nos EUA em 2022, tendo mais tarde alargado a presença ao Reino Unido e resto do mundo.
Desde então, tem liderado consistentemente as tabelas globais de downloads de aplicações. Segundo dados da Similar Web, quase 152 milhões de americanos usam a plataforma todos os meses.
É a “Amazon com esteroides”, diz à BBC o analista de comércio Neil Saunders.
Com o slogan “compre como um bilionário”, a popularidade da plataforma explodiu, realizando entregas em cerca de 50 países em todo o mundo.
Marketing agressivo
Um anúncio típico de 30 segundos durante o Super Bowl custa cerca de 7 milhões de dólares, ou 6,4 milhões de euros. Durante o evento deste ano, a Temu teve 6.
“É muito dinheiro para um anúncio muito curto“, diz Saunders. “Mas é visto por um número enorme de pessoas e sabemos que depois daquele anúncio os downloads da Temu dispararam“, acrescenta.
Os dados da Similar Web sugerem que o número de visitantes individuais da plataforma em todo o mundo aumentou quase 25% no dia do Super Bowl em comparação com o domingo anterior, com 8,2 milhões de pessoas navegando no site e na aplicação. No mesmo período, os visitantes da Amazon e do Ebay caíram 5% e 2%, respetivamente.
A empresa gastou também “muito dinheiro em micromarketing, convencendo influenciadores a promover produtos e sugerir compras na plataforma através de redes sociais como o TikTok e o YouTube”, diz Saunders.
Estes influenciadores normalmente têm menos de 10 mil seguidores, de acordo com Ines Durand, especialista em comércio eletrónico da Similar Web.
“Os microinfluenciadores têm comunidades fortes, por isso o seu apoio significa uma forte confiança nestes produtos”, explica a analista.
A Temu é propriedade da gigante chinesa PDD Holdings, “um monstro no comércio eletrónico chinês”, explica Shaun Rein, fundador do China Market Research Group. “Na China, todos compram produtos da Pinduoduo, de caixinhas de som até camisolas ou meias”.
Da fábrica para o cliente
A empresa compete com a rival Alibaba pelo primeiro lugar entre as empresas chinesas mais valiosas listadas na bolsa de valores dos EUA. O seu valor atual é de 138 mil milhões de euros.
Com o mercado chinês sob o seu domínio, a Pinduoduo Holdings expandiu-se para o exterior com a Temu, usando o mesmo modelo que garantiu seu sucesso anterior. Segundo Shaun Rein, que vive em Xangai, a empresa chinesa tornou-se um grande símbolo de orgulho e patriotismo.
“Os chineses estão orgulhosos de que as empresas do seu país consigam estar matar os dragões do comércio eletrónico dos EUA, como a Amazon”, diz Rein.
Uma rápida navegação pela app ou pelo site da Temu oferece de tudo, desde ténis com biqueiras de aço até um dispositivo projetado para ajudar idosos e mulheres grávidas a calçar meias. A variada coleção de bens é quase inteiramente produzida em fábricas na China, explica Rein.
“A Temu usa um sistema incrível de recolha de dados em grande escala“, diz Ines Durand. “Eles recolhem dados sobre tendências de consumo, os produtos mais pesquisados e clicados, e fornecem essas informações aos fabricantes individuais.”
Enquanto a Amazon vende os seus dados aos fabricantes a um preço elevado, a Temu entrega-os gratuitamente aos produtores – informações que estes usam para “testar o mercado” com um número relativamente pequeno de produtos.
O produto à venda pode nem existir ainda, diz Durand. “São depois enviados ao consumidor por transporte aéreo”. “Isso significa que os produtos não precisam de ser armazenados, como no caso da Amazon. Não precisam de estar em stock, uma vez que são enviados de avião, diretamente para o cliente”, explica Ines Durand.
Lacuna tributária
De acordo com um relatório do Congresso dos EUA, um terço das encomendas que chegaram aos EUA no ano passado, aproveitando uma lacuna na legislação tributária, eram da Temu e da concorrente Shein,
Muitos países têm um limite para a isenção de compras internacionais, concebido para ajudar os cidadãos a importar bens.
As empresas chinesas aproveitam uma isenção nos impostos para compras no valor de até 50 dólares, que deveria ser válida apenas para remessas entre pessoas físicas. Os comerciantes nacionais reivindicam o fim dessa isenção, mas a medida é criticada por consumidores atraídos pelo baixo preço das lojas virtuais asiáticas.
A Temu, cujos produtos são enviados diretamente das fábricas aos consumidores, eliminando intermediários, usa benefícios semelhantes em mercados como EUA e Reino Unido.
No entanto, novas regras podem estar no horizonte para fechar esta lacuna no comércio internacional, de acordo com Mickey Diaz, diretora de operações da empresa global de distribuição Unique Logistics.
“O Reino Unido já começou a olhar para a Temu com algum escrutínio, incluindo a venda de armas que de outra forma não seriam permitidas no Reino Unido, que estavam a ser importadas devido a essas lacunas”, explica ela.
A questão laboral
Em relação às acusações de uso trabalho escravo, no ano passado, a deputada britânica Alicia Kearns, que preside à Comissão de Relações Internacionais, disse à BBC que queria um maior escrutínio do marketplace online para garantir que “os consumidores não contribuam inadvertidamente para o genocídio uigur”.
Kearns, membro do Partido Conservador do Reino Unido, referia-se aos alegados abusos dos direitos humanos perpetrados pelo governo da China contra o povo uigur e outras minorias étnicas e religiosas.
Um porta-voz da empresa, que rejeita a ideia, afirmou à BBC que quem quer que seja que faça negócios com a Temu deve “cumprir todos os padrões regulatórios e requisitos de conformidade”.
“Os comerciantes, fornecedores e outros terceiros devem pagar atempadamente aos seus funcionários e contratado, e cumprir todas as leis locais aplicáveis sobre salários e horários”, diz o porta-voz da Temu.
“Os nossos padrões e práticas atuais não são diferentes dos de outras grandes plataformas de comércio eletrónico em que os consumidores confiam, e as alegações a esse respeito são completamente infundadas”, acrescentou o representante.
Apesar destas controvérsias, os analistas esperam maior expansão para a Temu. “Provavelmente assistiremos a um alargamento da sua oferta, talvez apostando em alguns produtos com preços ligeiramente mais elevados“, prevê o analista de retalho Neil Saunders.
Segundo Shaun Reid, a empresa irá apostar em conquistar uma fatia ainda maior do mercado. “Nos próximos dois ou três anos, a estratégia da empresa passará apenas por aumentar o reconhecimento da marca e quota no mercado. Nesta fase, a Temu não se importa com os lucros“, afirma.
“Foi exatamente isso que aconteceu com a Pinduoduo quando foi lançada na China. Estava a oferecer produtos incrivelmente baratos — apenas para conquistar quota de mercado.”
// BBC