Supremo dos EUA tem em mãos dois casos decisivos para o futuro da democracia no país

Fred Schilling/Supremo Tribunal dos EUA

Supremo Tribunal dos EUA em Abril de 2021

A maioria conservadora do Supremo pode mudar fundamentalmente a democracia nos Estados Unidos — com um caso que quer legitimar mapas discriminatórios e outro que quer dar aos estados poder sobre como decorrem as eleições federais.

Depois de ter abalado os Estados Unidos com a reversão da decisão Roe v. Wade que garantia o acesso federal ao aborto, o Tribunal Supremo têm agora mais dois casos em mãos que podem causar um terramoto político e decidir o rumo das eleições presidenciais de 2024.

Um dos processos foi aberto na Carolina do Norte e pode ter ramificações mais abrangentes. O caso, apelidado Moore v. Harper, partiu de um pedido dos líderes Republicanos, que querem que o Supremo retire o poder aos tribunais estaduais para decidirem sobre as leis eleitorais de acordo com as Constituições do seu estado.

O processo baseia-se numa teoria legal pouco conhecida chamada Independent State Legislature (ISL) — Legislatura Estadual Independente — que defende que há uma provisão obscura na Constituição dos EUA que dá aos estados o poder de decisão sobre os moldes em que decorrem as eleições federais e que retira o poder de supervisão aos tribunais, relata o Politico.

Trocado por miúdos, isto significa que cada estado poderia gerir as eleições federais da forma que entendesse, por exemplo, decidindo a hora e o local em que se pode votar, e que essa gestão não poderia ser desafiada ou bloqueada por um tribunal.

Dado o historial de supressão de voto um pouco por todos os Estados Unidos, isto significaria que os líderes de um estado poderiam, por exemplo, abrir menos locais para votar ou reduzir o horário em distritos onde saibam que a maioria dos eleitores não vota no seu partido.

Este princípio é também o que já governa o gerrymanderingquando as chefias dos estados propositadamente tentam diminuir o poder eleitoral de certos grupos como redesenho dos mapas eleitorais, por exemplo, concentrando a maioria dos negros (que tendem a votar mais nos Democratas) num único distrito para que estes tenham menos poder de influência.

É graças a tácticas como o gerrymandering que há casos onde um partido que recebeu mais votos acaba por ter menos representantes. Na Carolina do Norte, por exemplo, oito dos 13 congressistas eleitos são Republicanos, apesar de os Democratas terem conquistado mais de 50% dos votos em todo o estado nas últimas eleições intercalares.

Tanto o gerrymandering como a teoria da ISL têm uma legalidade questionável e, até agora, o Supremo Tribunal dos EUA tem sempre refutado qualquer tentativa de se dar poder aos estados sobre as eleições federais. Mas essa tendência pode mudar, já que quatro dos nove actuais juízes sinalizaram um apoio à ideia.

Na versão mais extremista desta teoria, os tribunais são impedidos de reverter leis que violem a Constituição do próprio estado, visto que todo o poder passa para as mãos dos legisladores.

Não se sabe se o Supremo — que de momento tem seis juízes conservadores e três liberais — irá tão longe na sua decisão sobre a ISL, mas mesmo uma interpretação menos extremista pode alterar fundamentalmente a forma como as eleições federais são geridas nos EUA.

Ao retirar o poder de fiscalização aos tribunais estaduais, o Supremo estará indirectamente a centralizar essa responsabilidade em si mesmo, o que pode levar a que os juízes interpretem as leis da forma que for mais favorável aos seus candidatos ou partidos favoritos.

Se esta interpretação já estivesse em vigor em 2020, seria possível que Donald Trump continuasse a ser o Presidente, mesmo tendo perdido as eleições. Isto porque, com a transferência do poder de decisão dos tribunais para os legisladores, os seus aliados Republicanos nas chefias dos estados poderiam simplesmente ter-lhe dado a vitória sob a premissa de que houve fraude eleitoral.

Nos cenários mais preocupantes, os Republicanos em estados roxos (os estados decisivos nas presidenciais porque oscilam entre os dois partidos) podem decidir quem representa o estado no colégio eleitoral, tendo assim o poder para passar por cima dos eleitores e apoiar um candidato que não venceu o voto popular.

Merrill v. Milligan

Para além do Moore v. Harper, o caso Merrill v. Milligan, aberto no Alabama, também ameaça revolucionar a democracia norte-americana. O processo foi aberto pelos legisladores Republicanos que, tal como no Moore v. Harper, estão a contestar a decisão de um tribunal estadual.

Neste caso, os Republicanos querem manter o mapa eleitoral que desenharam, que um tribunal anulou alegando que era um exemplo de gerrymandering e uma tentativa deliberada de diminuir o poder do eleitorado negro.

Apesar de serem 27% da população do Alabama, as estimativas das comissões independentes que analisam os mapas apontam que o novo redesenho daria aos negros um poder de voto proporcional em apenas um dos sete distritos do estado.

Dado isto, um painel de três juízes federais obrigou o Alabama a redesenhar o mapa, alegando que este violava o Voting Rights Act, a lei história de 1965 que proibiu a discriminação racial em eleições, escreve o Vox.

A liderança política contestou a decisão e o Supremo decidiu em Fevereiro manter o mapa original para as eleições intercalares de Novembro, argumentando que já era demasiado tarde para se criar um novo a tempo da ida às urnas. Agora, os nove juízes vão decidir se este mapa contestado se mantém em vigor até ao próximo redesenho, previsto para 2031.

Qualquer que seja a decisão, o alcance deste processo vai muito além de apenas este mapa no Alabama, visto que irá abrir um precedente sobre como o Supremo determina se os mapas sofreram ou não gerrymandering.

Se os juízes decidirem a favor dos Republicanos, isto pode levar a que mais estados com mapas propositadamente desenhados para os beneficiar politicamente possam também contestar decisões de instâncias inferiores que os anulem.

Adivinham-se assim umas semanas muito atribuladas nos Estados Unidos, especialmente com as eleições intercalares à espreita.

Adriana Peixoto, ZAP //

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