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Sudão. Crimes contra a humanidade em ataques que mataram 120 manifestantes

Marwan Ali / EPA

Os ataques que em junho mataram pelo menos 120 manifestantes no Sudão podem configurar crimes contra a humanidade, revelou um relatório divulgado pela organização Human Rights Watch (HRW), que pede justiça para as vítimas e responsabilização dos autores.

O relatório “Eles gritavam ‘Matem-nos’: Repressão violenta contra manifestantes no Sudão“, de 59 páginas, documenta os ataques das forças de segurança sudanesas contra os manifestantes quando procuravam desmobilizar um acampamento em Cartum, em 03 de junho, e nos dias seguintes em outras zonas da capital sudanesa e nas cidades vizinhas de Bahri e Omdurman, noticiou a agência Lusa.

O texto cita “fontes credíveis” que estimam que pelo menos 120 pessoas morreram durante a repressão aos manifestantes. Centenas ficaram feridas e há dezenas de desaparecidos, segundo testemunhos citados no relatório, que adiantaram que vários corpos foram atirados ao rio Nilo pelas forças de segurança. Pelo menos dois foram resgatados com tijolos amarrados e feridas de bala na cabeça e no torso.

Para a elaboração do relatório, cuja investigação foi realizada localmente no Sudão e remotamente, por telefone, entre 29 de junho e 11 de agosto, foram ouvidas mais de 60 pessoas, incluindo vítimas de crimes sexuais e testemunhas dos abusos. Foram ainda analisadas fotografias, vídeos e publicações nas redes sociais.

A onda de protestos, que começou em dezembro de 2018 em todo o país motivada pelo aumento de preços, evoluiu para uma contestação generalizada ao então Presidente Omar al-Bashir, que levava 30 anos no poder.

Os protestos culminaram num acampamento em Cartum, em abril, em frente à sede das Forças Armadas, que resultou no afastamento de Omar al-Bashir e na tomada do poder por um conselho militar liderado pelos generais Abel Fattah al-Burhan e Mohamed “Hemedti” Hamdan Dagalo, este último comandante das Forças Reação Rápida (RSF).

Foi sobre este acampamento que, em 03 de junho, os militares e RSF dispararam, matando muitos manifestantes. Segundo o relatório, muitos outros manifestantes foram violados, agredidos, esfaqueados e forçados a rastejar.

Marwan Ali / EPA

Um dos manifestantes nos novos protestos em Cartum, Sudão

A resposta inicial do conselho militar foi de negar os ataques, tendo posteriormente admitido que a operação de dispersão do acampamento foi planeada e pedido desculpa por “erros cometidos”.

Os ataques foram condenados pela comunidade internacional, a União Africana suspendeu o Sudão e os peritos das Nações Unidas reclamaram uma investigação independente à violência contra manifestantes desde o início desse ano.

Uma comissão de investigação criada imediatamente a seguir aos ataques de 03 de junho, que estimou em 87 o número de mortes, recomendou a detenção de oito oficiais responsáveis pelos ataques ao acampamento.

Em agosto, foi empossado um novo Governo de transição, resultante de um acordo de partilha de poder alcançado entre os militares e grupos da sociedade civil na sequência semanas de protestos contra violência, e criada uma comissão para investigar a violência de junho.

Deste governo, continuam a fazer parte os generais Abel Fattah al-Burhan e Mohamed “Hemedti” Hamdan Dagalo.

A comissão de investigação, que não inclui mulheres nem especialistas em violência sexual, levantou preocupações de falta de independência aos grupos representantes das vítimas.

Além das mortes de 03 de junho e das semanas que se seguiram, a HRW lembra que, desde dezembro de 2018, as forças de segurança vinham reprimindo e perseguindo violentamente os manifestantes, com dados que apontam para que entre dezembro de 2018 e abril de 2019 tenham sido mortas mais de 100 pessoas, sem que ninguém tenha sido responsabilizado.

Por isso, a HRW sustentou que o Governo de transição deve reavaliar a comissão de investigação ou substituí-la por outra mandatada para investigar e recolher provas de todos os crimes desde dezembro e com autoridade para referenciar casos para acusação de acordo com os padrões internacionais.

“A investigação não deve hesitar em identificar todos aqueles que concluir serem responsáveis, inclusive nos mais altos níveis de Governo”, como Hemedti e outros líderes militares que são membros do Governo de transição, adiantou a HRW.

Para a organização de defesa dos direitos humanos, o Governo deve também entregar Omar al-Bashir e quatro outros indivíduos com mandados de detenção do Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes cometidos contra civis no Darfur.

“O novo Governo precisa de mostrar que está determinado a responsabilizar os autores dos ataques letais contra os manifestantes após décadas de repressão violenta e atrocidades contra civis”, disse Jehanne Henry, diretora associada da HRW.

“Têm que começar a fazer justiça, assegurando que todas as investigações são independentes, transparentes e de acordo com os padrões internacionais”, acrescentou.

Lusa //

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