António Cotrim / LUSA

O novo bastonário eleito da Ordem dos Advogados, João Massano
João Massano acha que, ao divulgar a abertura do processo de averiguações, a Ordem dos Advogados entrou na campanha política.
O bastonário dos advogados eleito não teria comunicado publicamente a abertura de um processo de averiguações por eventual procuradoria ilícita à empresa do primeiro-ministro sem qualquer confirmação de suspeitas, acusando a bastonária cessante de aproveitamento eleitoral.
João Massano, que toma posse como bastonário dos advogados a 8 de maio, em entrevista à Lusa defendeu que o processo de averiguações deveria ter sido aberto, como foi, “mas não deveria ter sido dado conhecimento público” da investigação relacionada com a ilicitude da atividade da empresa familiar de Luís Montenegro, a Spinumviva.
“Nós não podemos entrar na campanha política, nem podemos tomar esse partido, exceto se houver confirmação do facto. Aí já digo quase como o senhor Procurador-Geral da República, se tiver que ser naquele momento a busca, porque há um inconveniente ou uma desvantagem qualquer, tem que ser feita, seja em período eleitoral ou fora dele. Agora, se há uma mera suspeita que não é confirmada e que até temos um outro órgão da Ordem a dizer que não vê indícios, se calhar o bom senso aconselha a que nada se diga publicamente, se espere pelo fim do processo e só depois se diga alguma coisa”, disse.
Para João Massano houve nesta situação “um aproveitamento” eleitoral na campanha para a OA, que considera prejudicial aos interesses da classe – a partir do momento em que a bastonária cessante, Fernanda de Almeida Pinheiro, decidiu anunciar a abertura de um processo de averiguações na Ordem dos Advogados (OA).
Rejeitou ainda que a decisão de não comunicar a abertura de uma averiguação pudesse ser entendida como uma proteção ao processo e ao próprio primeiro-ministro, estabelecendo um paralelo com o caso do parágrafo no comunicado da Procuradoria-Geral da República que implicou o então primeiro-ministro António Costa na Operação Influencer.
“Acho que nós temos que ter isenção e objetividade no que fazemos. Sabendo nós as consequências dos atos que praticamos, temos que os ponderar”, disse.
Ideia “perigosa” do PS
João Massano considerou “um perigo” a ideia constante do programa eleitoral do PS para criação de um novo órgão de fiscalização das escutas judiciais, composto por elementos da OA e dos conselhos superiores da magistratura, recordando que o sistema já prevê que as escutas sejam fiscalizadas e rejeitando a criação de “órgãos e mais órgãos” assentes na ideia de fiscalizar quem fiscaliza ou do “polícia do polícia”.
“Isto parece-me um bocadinho perigoso. Acho que não é por aí o caminho. Acho que o caminho é verificar o que é que falha no sistema, porque, muitas das vezes, nós tomamos decisões, quer em matéria legislativa quer até na criação de órgãos, sem perceber o que falha”, disse, defendendo que mais do que novos órgãos para fiscalizar juízes, o poder político devia preocupar-se em perceber porque é que “quem fiscalizou não fiscalizou, ou fiscalizou de forma deficiente”.
João Massano manifestou-se ainda contra alterações legislativas na base de um único processo, a Operação Marquês, como as propostas para aumentar a celeridade judicial vindas do Conselho Superior da Magistratura (CSM), questionando se não se está “a criar legislação que crie uma diferença entre os processos de primeira, que são os que aparecem nos telejornais e na comunicação, e os processos de segunda, que são os do cidadão comum”.
“Eu não quero caminhar para uma justiça para ricos, que já existe na prática muitas das vezes, mas não deve ser a própria legislação a criar essa distinção e isso é que muitas vezes me parece que é a tentação de muitos legisladores”, disse.
Sobre o processo de regulamentação do ‘lobbying’, que ficou pendente com a queda do Governo e dissolução do parlamento, João Massano espera que se avance rapidamente, por uma questão de transparência, manifestando-se “um bocadinho perplexo” que as pessoas fiquem admiradas por saberem que “as pessoas falam umas com as outras” para agilizar procedimentos, sobretudo em projetos e investimentos de potencial interesse nacional.
“A única forma de avançar em termos éticos e de transparência é criar um regime de ‘lobbying’ claro, em que toda a gente saiba que o advogado A fala com o ministro B por causa do projeto. Até para as pessoas poderem ver como é que foram os licenciamentos e tudo mais e verificar se houve alguma situação anómala. Acho que isso é muito mais claro do que o que temos hoje em dia. Porque não é expectável que as pessoas não falem”, afirmou.
Pagamentos mensais
O novo bastonário dos advogados quer instituir previsibilidade no pagamento aos advogados oficiosos, propondo a definição de um calendário mensal, e uma nova revisão dos Estatutos da Ordem, nomeadamente no que diz respeito ao pagamento dos estágios.
João Massano considerou que a instituição de um dia certo e de previsibilidade no pagamento por trabalho já prestado pelos advogados do apoio judiciário “é a única forma de restituir alguma dignidade aos pagamentos”.
“Eu defendo que tem que haver um calendário pré-determinado anualmente, com datas de pagamento e com, naturalmente, indicação dos montantes que irão ser pagos, até porque as pessoas têm vida, têm despesas e já gastaram com os processos. É da maior justiça que haja uma data definida todos os meses para os pagamentos”, disse.
Sobre a tabela de pagamento de honorários aos advogados oficiosos – recentemente revista após um protesto inédito da classe, com muitos advogados a recusarem inscrever-se nas escalas para o apoio judicial a cidadãos sem meios económicos para o assegurar – João Massano espera que em diálogo com o Ministério da Justiça seja ainda possível fazer alterações.
Massano refere-se à nova revisão dos valores a pagar, ainda que recuse partir para essa negociação com limites mínimos estabelecidos.
De forma mais imediata, o novo bastonário quer também uma revisão dos Estatutos da OA, recentemente revistos e aprovados no parlamento, num processo apressado, criticado pelos próprios deputados, que admitiram na altura a necessidade de voltar a alterar os Estatutos.
Massano quer reverter a composição definida para o novo Conselho de Supervisão da OA, com competências disciplinares e em que os membros em maioria não podem ser advogados, o que, defendeu, “é uma machadada na independência da advocacia”.
Lamentando que a maioria de direita que vigorou no parlamento até à recente dissolução não tenha concretizado em atos as críticas às alterações feitas ao Estatuto pelo PS a pretexto das imposições para aceder aos fundos do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), João Massano espera que um novo parlamento reveja também a imposição de pagamento dos estágios na advocacia, defendendo que deve ser o Estado a financiar a formação dos estagiários.
Afirmando que “ninguém discorda do princípio” de que os estágios devem ser pagos, Massano referiu que as dificuldades que a classe atravessa não permitem aos advogados em prática individual, sobretudo, aceitar estagiários para formação, retirando a muitos jovens a possibilidade de entrar na OA e exercer a profissão, levando a “uma elitização da classe”.
“Eu prevejo que o que vai acontecer é que vamos estar a reduzir as pessoas em prática individual porque vão-se reformando e vão saindo da prática individual e vamos criando uma espécie de elite no sentido de só os que conseguem entrar nas sociedades é que vão continuar a ser advogados. Ora, isto é contrário à democracia que eu defendo e à possibilidade de todos serem advogados”, disse.
João Massano vai herdar da bastonária cessante, Fernanda de Almeida Pinheiro, o dossier de revisão da CPAS, o regime de previdência dos advogados, cuja sustentabilidade está a ser analisada por uma comissão de avaliação junto do Ministério das Finanças, e cujas conclusões deverão permitir ao parlamento decidir se é possível permitir optar pelo atual regime de previdência ou pela Segurança Social – como votaram os advogados em referendo interno na OA – ou se a solução passa pela integração na Segurança Social, ou outra.
Qualquer que seja a decisão que o parlamento venha a tomar, o objetivo imediato do bastonário eleito passa por melhorar o regime da CPAS em vigor, propondo um modelo “verdadeiramente assistencialista” para situações de doença, maternidade, quebra de rendimentos e velhice, defendendo que “o princípio da capacidade contributiva tem que ser ponderado”.
Propõe “escalões de refúgio” para garantir que em situação de rendimentos baixos os advogados não perdem o direito a apoio social, ou até mesmo quando não consigam pagar de todo qualquer contribuição, para além de uma solução complementar, o seguro de rendimentos, para quando os profissionais sofram quebras abruptas de rendimento.
João Massano quer ainda rever na lei a tipificação do que é admissível como “justo impedimento” para um advogado, para alargar os direitos de ausência em situação de doença ou maternidade, mas lembra que numa profissão liberal ter uma licença de parentalidade equiparada às situações de trabalhadores por conta de outrém dificilmente é compatível com a urgência que os clientes sentem em relação aos seus processos.
Sobre as dificuldades de acesso dos advogados aos serviços da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), o bastonário eleito defendeu, para os casos pendentes apenas de um pagamento para concluir os processos de regularização, que seja criado um serviço de tesouraria externo, deixando críticas à falta de meios humanos e tecnológicos dos serviços para fazer face aos processos.
João Massano, que fez campanha a defender a necessidade de voltar a unir a classe, apontado à bastonária cessante responsabilidades nessa divisão, quer agora que foi eleito “construir pontes” entre a OA e o poder político, dizendo que a sua eleição foi a expressão de que os advogados “querem uma diplomacia diferente” na OA, “que construa pontes e que não esteja em permanente conflito com todos”.
ZAP // Lusa