A misteriosa síndrome de Alice no País das Maravilhas faz as pessoas sentirem que encolheram

A síndrome de Alice no País das Maravilhas, que faz as pessoas acharem que encolheram, ainda intriga cientistas décadas após a sua descoberta.

Josh Firth tinha nove anos de idade e estava no carro com os seus pais, quando percebeu algo estranho a acontecer com os prédios à sua volta. Eles pareciam estar a ficar maiores. Quando contou à sua mãe, Sonja, ficou surpreendida. Para ela, os prédios estavam como sempre foram.

“Conforme o carro se movia, [na visão dele] os prédios dos dois lados começaram a crescer de repente e pareciam estar a aproximar-se dele”, conta.

E não foi a única vez. Noutro dia, depois de voltar da escola, Josh – que é de Canberra, na Austrália – contou à sua mãe que “os rostos dos professores ficaram maiores, desproporcionais ao corpo, e as paredes da sala de aula alongaram-se e afastaram-se dele”.

Josh afirma que, uma vez, quando jogava xadrez na escola, viu “os seus dedos a ficarem maiores e mais largos, até ao ponto em que já não conseguia segurar as peças de xadrez”.

Estes episódios estranhos eram mais assustadores à noite, quando “os cantos do seu quarto mudavam, as paredes deformavam-se e fechavam-se na sua direção”, gerando uma sensação de terror noturno, segundo Sonja.

Sonja conta que, às vezes, o seu filho dizia que a sua voz parecia diferente. Ele sentia que ficava “mais grave e lenta”.

Foram precisos cerca de dois anos para que a família descobrisse o que estava a acontecer. Josh sofre de um distúrbio raro, conhecido como síndrome de Alice no País das Maravilhas, também conhecida como síndrome de Todd.

A síndrome afeta a forma como as pessoas percecionam o mundo à sua volta e pode distorcer a sua experiência dentro do próprio corpo e o espaço que ocupa. Ela pode incluir distorções da visão e do tempo.

Imagine passar a vida a ver as caras das pessoas transformarem-se em dragões. Este sintoma é apenas um dos 40 tipos de distorções visuais características da síndrome.

Alguns pacientes descrevem ver diferentes partes do corpo a serem acrescentadas às pessoas à sua frente, como um braço mais curto fixado à cara da pessoa sentada à frente deles. Outros sintomas incluem ver pessoas ou objetos a mover-se em câmara lenta ou de forma rápida e não natural, ou ainda imóveis.

A audição também pode ser prejudicada. As pessoas que sofrem da síndrome podem ouvir entes queridos a falar lenta ou rapidamente, de forma estranha ou não natural.

E eles relatam ver objetos ou as suas próprias partes do corpo a encolher ou a aumentar de tamanho, bem à frente dos seus olhos. A sensação é que elas mesmas estão a mudar de tamanho, que foi a experiência vivida por Josh.

Este último sintoma deu o nome ao distúrbio. Alice, a personagem do escritor Lewis Carroll, encolheu depois de beber uma poção e cresceu depois de comer bolo.

Carroll pode ter sido inspirado pelas suas próprias distorções de perceção, talvez causadas por enxaquecas ocular, que são distúrbios visuais temporários que ocorrem com frequência em pessoas que sofrem de enxaquecas.

Outros estudiosos especularam que o escritor pode ter sofrido da síndrome de Alice no País das Maravilhas, causada por epilepsia, abuso de substâncias ou até por uma infeção.

As causas ainda são um mistério

Mesmo depois de ser formalmente descrita pelos médicos como uma síndrome específica em 1955 e ter alguns dos seus sintomas registados até mesmo anteriormente, as causas exatas da síndrome permanecem obscuras até hoje. É um mistério que deixaria a própria Alice cada vez mais curiosa.

Os investigadores têm tentado desvendar esta estranha condição. Eles esperam poder fornecer indicações vitais sobre a forma como o nosso cérebro interpreta o mundo à nossa volta.

Os sinais dos nossos sentidos reunidos, combinados com as nossas experiências de vida acumuladas, fazem com que cada um de nós percecione o mundo de forma diferente dos demais. Todos nós vivemos a nossa própria e única realidade.

“A perceção não é um processo passivo de meramente ver, ouvir, sentir, provar ou cheirar”, afirma o neurocientista Moheb Costandi.

“Trata-se de um processo ativo”, explica. “O cérebro age mediante os estímulos sensoriais que recebe, com base nas nossas experiências e inclinações do passado. A forma como percebemos as coisas influencia como agimos – e a forma como agimos influencia o que percebemos”.

Mas, às vezes, a nossa perceção pode ficar desordenada, como ocorre quando as pessoas sofrem alucinações, ilusões ou distorções.

Com a perceção distorcida de nós mesmos e do mundo em que vivemos, corremos o risco de perder a sensação de nós mesmos e sofrer despersonalização. Podemos até acabar por sentir o próprio mundo como sendo irreal, num processo conhecido como desrealização.

ZAP // BBC Brasil

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