Seul vai dar dinheiro a quem reverter vasectomia ou laqueação de trompas

A capital sul-coreana, que tem a taxa de fertilidade mais baixa do país, planeia oferecer até 700 euros para cobrir os custos da reversão dos procedimentos de esterilização.

Na capital da Coreia do Sul, quem se tiver submetido a vasectomia ou a laqueação de trompas poderá em breve receber um reembolso em dinheiro para reverter os procedimentos, numa altura em que Seul procura aumentar a taxa de natalidade.

A metrópole de 9,6 milhões de habitantes registou uma taxa de natalidade de 0,55 no ano passado, a mais baixa do país — que tem a taxa mais baixa do mundo.

A Coreia do Sul é o único país do mundo a registar uma taxa de fertilidade inferior a um filho por mulher, embora outros – Ucrânia, China e Espanha – estejam próximos.

De acordo com uma proposta de orçamento divulgada esta semana, o governo da cidade de Seul está a planear oferecer até 700 euros a cerca de 100 pessoas para cobrir os custos relacionados com as reversões, incluindo medicação e estadias hospitalares.

O custo dos procedimentos de reversão já está coberto pelo seguro nacional de saúde da Coreia do Sul, mas as vasectomias e as laqueações de trompas não estão.

Os cerca de 70 mil euros atribuídos ao plano são uma pequena parte das disposições relacionadas com a fertilidade no orçamento proposto, que inclui cerca de 5,5 milhões de euros para cuidados médicos a pacientes grávidas com mais de 35 anos e 1,5 milhões para financiamento de locais públicos para casamentos.

A provisão tem como objetivo “aliviar os encargos financeiros das famílias que desejam engravidar”, segundo o anúncio do governo da capital sul-coreana.

Este esforço, diz o The Washington Post, sugere que o governo da cidade está a visar mesmo aquelas que tomaram medidas médicas decisivas para evitar a gravidez, na tentativa de aumentar a taxa de natalidade.

A queda da taxa de natalidade na Coreia do Sul tem sido atribuída, em parte, às dificuldades de conciliar os cuidados com os filhos e a carreira profissional, bem como ao elevado custo da educação dos filhos.

Dos dois métodos de controlo da natalidade, as laqueações das trompas são mais invasivas, têm um maior risco de complicações e são mais difíceis de reverter do que as vasectomias.

Segundo dados da Stanford Medicine, as reversões de vasectomia são cerca de 90% a 95% eficazes. De acordo com dados da Cleveland Clinic, as taxas de gravidez após reversões de laqueação de trompas variam de 50% a 80%.

Muitos sul-coreanos optam pela vasectomia “devido à sua segurança, ao baixo número de complicações e à relação custo-eficácia“, explica ao Post o urologista Seok Seon Yoo. “Talvez 1 ou 2% deles revertem depois o procedimento”.

Em alguns países, os esforços governamentais de promoção da natalidade são criticados por se concentrarem em soluções de curto prazo, como bónus em dinheiro, em vez de mudanças mais duradouras e sustentáveis, como tornar os cuidados infantis mais acessíveis ou melhorar a igualdade de género no trabalho.

Num artigo científico publicado em 2022 na BMJ, Stuart Gietel-Basten, Anna Rotkirch e Tomas Sobotka observaram que, em locais com baixas taxas de natalidade, muitas pessoas dizem que querem ter mais filhos do que acabam por ter, criando lacunas que são “frequentemente sintomas de disfunção social e económica”.

Na Coreia do Sul, o incentivo aos procedimentos de reversão de esterilização não é uma abordagem invulgar à baixa fertilidade. Mais de 30 governos locais adotaram iniciativas semelhantes, de acordo com os meios de comunicação social locais.

Mas segundo Sunhye Kim, professora da Universidade Ewha Womans, em Seul, que estuda a saúde e os direitos reprodutivos, embora a política proposta por Seul possa ser benéfica para algumas pessoas que necessitam de assistência financeira para os procedimentos, a medida “não irá aumentar a taxa de natalidade”.

Em 2004, o governo sul-coreano incluiu a baixa taxa de fertilidade do país e o envelhecimento da sociedade na agenda nacional como um ponto de preocupação.

No mesmo ano, o seguro nacional de saúde do país deixou de cobrir métodos contracetivos, incluindo laqueação de trompas, dispositivos intra-uterinos e vasectomias, e começou a cobrir reversões de esterilização e remoções de DIU.

Kim estabelece um paralelo entre as atuais políticas de natalidade do país e a intervenção governamental nos anos 70 e 80, período em que a Coreia do Sul “implementou agressivamente procedimentos de esterilização como parte das suas políticas anti-natalidade” com o objetivo de diminuir a taxa de natalidade.

Agora, os serviços de contraceção e aborto foram regulamentados e limitados “porque a tendência de baixa taxa de fertilidade é considerada uma crise nacional“.

O “direito de todos os indivíduos a escolher se querem ter filhos” deve ser garantido, diz Kim. “Este novo anúncio político apenas confirma que a alteração das políticas demográficas pode facilmente regular ou controlar a saúde e os direitos reprodutivos dos indivíduos”.

ZAP //

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