Novos testes genéticos revelam que corpos encontrados em Huaca Cao Viejo há quase 20 anos eram parentes. Um rapaz e uma rapariga foram sacrificados por estrangulamento, ela como oferenda à famosa líder.
Uma recente análise genética revelou uma sinistra realidade no Peru: dois adolescentes terão sido estrangulados como ofertas de sacrifício e enterrados ao lado de membros da família de elite da antiga cultura Moche, há cerca de 1500 anos.
A história da descoberta inédita começa há quase 20 anos, em 2005, quando uma equipa de arqueólogos descobriu um local de enterro em Huaca Cao Viejo onde estavam seis indivíduos, espalhados por quatro túmulos.
Entre eles estava enterrada uma mulher de estatuto elevado, conhecida como “Señora de Cao”, altamente bem preservada e coberta de tatuagens de motivos religiosos e animais.
Ao lado da Señora, estavam três homens e dois adolescentes, descobriram os investigadores, no sítio arqueológico de El Brujo, na costa norte do Peru.
Os adolescentes pareciam ter sido estrangulados com cordas, o que levou os arqueólogos a especular que foram sacrificados e “oferecidos” para o enterro da Señora, cujo túmulo é considerado um dos enterros de elite mais bem preservados do Peru.
Durante estes anos todos, os investigadores acreditaram que o grupo de enterramentos era constituído por indivíduos não aparentados, mas novos testes genéticos revelaram que todos os defuntos encontrados eram, na verdade, parentes próximos. “Coletivamente, os resultados indicam que os seis indivíduos partilham um grau próximo de parentesco biológico”, escreveu a equipa.
Dois dos homens eram irmãos da Señora de Cao, enquanto outro, que tinha morrido décadas antes, poderia ter sido seu avô, revela o novo estudo publicado a 23 de dezembro na PNAS. Já os adolescentes foram identificados como sendo seus sobrinhos.
As descobertas sugerem que os adolescentes foram sacrificados como parte do ritual de enterro, possivelmente para honrar seus parentes de elite. Enquanto o jovem foi sacrificado aquando da morte do seu pai, irmão da Señora, a jovem terá sido sacrificada para a poderosa tia. Não se sabe, no entanto, se este ato foi consentido ou coagido.
O coautor do estudo, Lars Fehren-Schmitz, postulou que o estrangulamento pode ter sido uma forma mais privada e digna de ritual de morte reservada a indivíduos de estatuto social ou espiritual mais elevado.
“Existem outros contextos de enterro de alto status associados aos Moche onde o sacrifício por estrangulamento foi postulado”, disse Fehren-Schmitz ao Live Science: “a ideia é que esta é uma forma mais privada e digna de ritual de morte, provavelmente reservada a indivíduos de estatuto social ou religioso/espiritual mais elevado.”
“A maior parte do que sabemos sobre sacrifícios humanos com os Moche diz respeito a formas muito públicas e horríveis de sacrifício humano“, disse, sublinhando que “não há nenhuma outra observação relatada na literatura arqueológica” como a que foi agora descoberta.
Mulheres Moche: deusas e autoritárias
A descoberta, explicam os autores, lança luz sobre as culturas antigas dos Andes e sobre as complexas estruturas sociais, práticas de enterro e rituais dos Moche, que viveram ao longo da costa norte do Peru entre o ano 300 e 950.
Os Moche eram conhecidos pelos seus elaborados complexos urbanos, templos em forma de pirâmide (as huacas), avançados sistemas de irrigação e requintados trabalhos em cerâmica e metal. Sem registos escritos, muito do que se sabe sobre a sua sociedade provém da iconografia e das provas arqueológicas, que indicam que o sacrifício humano desempenhava um papel relevante nos seus rituais religiosos e políticos.
O novo estudo também sublinha os complexos papéis sociais das mulheres Moche, que são retratadas na sua arte como deusas e sacerdotisas e descritas nos primeiros relatos espanhóis como detentoras de grande autoridade.
A Señora de Cao é um exemplo pioneiro deste estatuto, sendo anterior a outras figuras femininas poderosas já conhecidas na região. A mulher, que morreu entre os 25 e 30 anos, após um parto, foi sepultada com 100 quilos de relíquias funerárias e objetos valiosos, entre os quais cetros, joias de ouro e cobre e armas, terá governado o norte do Vale de Chicama enquanto viva.
Hoje, a múmia da Señora de Cao está exposta no Museu Cao, próximo do local de sua descoberta.