Rússia põe fim às manobras na fronteira, mas há ucranianos a planear a fuga

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Sergey Dolzhenko / EPA

A Rússia anunciou hoje o fim das manobras militares e a partida de algumas das suas forças da península da Crimeia anexada da Ucrânia, onde a presença de tropas alimentou os receios de uma invasão.

“As unidades do distrito militar do sul que completaram os seus exercícios táticos nas bases da península da Crimeia estão a regressar por via ferroviária às suas bases de origem”, disse o Ministério da Defesa russo, citado pelas agências russas.

A televisão russa mostrou imagens noturnas de um comboio que transportava blindados através da ponte sobre o Estreito de Kertsch, construído a grande custo pela Rússia para ligar a Crimeia ao território russo.

Na terça-feira, Moscovo anunciou uma retirada “parcial” dos seus soldados destacados durante semanas nas fronteiras da Ucrânia, um sinal de desescalada após dois meses em que se receou uma invasão iminente, tendo como pano de fundo a crise russo-ocidental.

Europeus e norte-americanos continuam à espera de provas de uma importante retirada militar russa, mas estão cautelosamente otimistas. A Rússia não especificou a extensão ou o calendário da retirada.

De acordo com o Ocidente, mais de 100.000 soldados estão destacados nas fronteiras da Ucrânia com muito equipamento pesado. E as principais manobras russo-bielorrussas prosseguem até 20 de Fevereiro na Bielorrússia, o vizinho pró-russo da Ucrânia.

Os ministros da Defesa da NATO reúnem-se entre hoje e quinta-feira, em Bruxelas. O secretário-geral da Aliança Atlântica, Jens Stoltenberg, comentou na terça-feira que os mais recentes “sinais” vindos de Moscovo permitem um “otimismo cauteloso”, mas sublinhou que não se vê ainda uma diminuição da escalada no terreno.

Stoltenberg falava numa conferência de imprensa no quartel-general da NATO, em Bruxelas, de projeção de uma reunião de ministros da Defesa da organização que decorre entre quarta e quinta-feira, e na qual Portugal estará representado pelo ministro da Defesa, João Gomes Cravinho.

Apontando que os ministros da Defesa dos Aliados terão ao longo dos dois dias de reunião a oportunidade de discutir aquela que é “a maior ameaça à segurança europeia das últimas décadas” – incluindo uma discussão, na quinta-feira, com o seu homólogo ucraniano -, Stoltenberg disse esperar que seja possível avaliar “se há sinais”, no terreno, de um efetivo desanuviamento ou não.

O Ministério da Defesa da Rússia anunciou, na véspera da reunião ministerial da NATO, que algumas das unidades que tinham sido enviadas para próximo das fronteiras da Ucrânia iam regressar aos quartéis de origem por terem terminado os exercícios militares em que estiveram envolvidas.

O Ocidente acusou a Rússia de ter concentrado mais de 100.000 tropas nas fronteiras da Ucrânia para invadir novamente o país vizinho, depois de ter anexado a península ucraniana da Crimeia em 2014.

A Rússia negou sempre o desejo de guerra, mas exigiu garantias para a sua segurança, incluindo uma promessa de que a Ucrânia nunca será membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte.

Esta exigência foi rejeitada pelo Ocidente, que propôs em troca conversações sobre outros assuntos de segurança, como o controlo de armas ou visitas recíprocas a infraestruturas sensíveis.

Ao Observador, o ex-embaixador alemão na Rússia, de 2010 a 2013, Ulrich Brandenburg, diz que Vladimir Putin “não é irresponsável, mas é um jogador, que está a arriscar e a tentar obter mais concessões do Ocidente”.

Steven Erlanger, correspondente do The New York Times na Europa, antevê que se inicie agora um espinhoso processo diplomático. “É isso que os bons diplomatas fazem: alcançam algo que ambos os lados possam vender como sendo um sucesso. E é a isso que estamos a assistir agora”, disse ao jornal online.

Esta terça-feira, Putin esteve com Olaf Scholz e assegurou que não quer criar qualquer conflito com a Ucrânia.

O presidente da Rússia assegurou que não quer que a guerra volte à Europa: “Claro que não. Queremos um acordo que garanta a segurança de todos e ainda não houve uma resposta construtiva para a Rússia”.

Ucranianos céticos preparam fuga

“Temos uma regra: não acreditamos quando ouvimos, mas quando vemos”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmytro Kuleba, na terça-feira.

“Não há sentimento de alívio porque não há qualquer confiança no que a Rússia diz. Não é a primeira vez que anunciam a retirada de tropas”, disse, por sua vez, Olga Tokariuk, correspondente da agência EFE.

A jornalista diz que há a necessidade de ter “provas independentes que não venham do governo russo”, de que as tropas russas realmente recuaram dos exercícios na fronteira com a Ucrânia.

O ceticismo ucraniano não é descabido. Uma proposta do Parlamento russo para o reconhecimento da independência de duas regiões separatistas ucranianas e um mega ciberataque ao Ministério da Defesa, às Forças Armadas e a dois bancos estatais fez soar o alarme.

Os deputados russos aprovaram na terça-feira um apelo para que Putin reconheça a independência de dois territórios separatistas pró-russos na região ucraniana de Donbass.

“O parlamento russo iniciou um reconhecimento destas repúblicas, o que seria o primeiro passo da anexação de partes do território ucraniano”, explicou Olexander Scherba, antigo embaixador da Ucrânia na Áustria, ao Observador.

Por sua vez, quanto aos ciberataques, o centro governamental para as comunicações estratégicas e a segurança da informação apontou o dedo ao “agressor”, sem referir explicitamente a Rússia, num comunicado publicado na sua página no Facebook.

Devido ao ataque, nas últimas horas o Privatbank tem estado inoperacional e há falhas no Banco de Poupança do Estado da Ucrânia, ou Oschadbank. Os sites do Ministério da Defesa e das Forças Armadas também foram atacados, disse o centro.

Embora não aparente haver pânico entre a população ucraniana, há medo.

“Tenho malas feitas com as coisas mais urgentes em caso de ter de fugir do meu apartamento à pressa. Repensei o meu plano financeiro e dividi o dinheiro que tenho no banco, de modo a ter algum em moeda estrangeira, outro em moeda ucraniana. Encontrei a morada do abrigo mais próximo — sei que fica perto da minha casa”, disse Olena Prokopenko, investigadora do ‘think-tank’ German Marshall Fund.

Há ucranianos que estão a receber treino militar, preparando-se para uma eventual invasão russa. Outros inscreveram-se em cursos de primeiros socorros, temendo um cenário mais aterrorizador. Muitos têm em casa um kit de emergência e a lista dos abrigos de guerra.

Daniel Costa, ZAP // Lusa

5 Comments

  1. O Putin é imprevisível, mas esta demonstração de força não ficou barata (e a Rússia não está propriamente endinheirada), pelo que ele terá alguma na manga…

  2. LAMENTAÇÕES — Agora é recolher a tropa aos quartéis, o armamento “pesado” às bases e após as desculpas esfarrapadas só resta chorar no Muro do KREMLIN, enquanto, ele continuua de pé e arrogante. Mas, lembremos. que a BASTILHA caiu e não ficou pedra sob pedra. Daqui para frente as notícias nao são boas e as “hienas” estao soltas e rondando a espera dss carniças. É o que pensa, joaoluizgondimaguiargondim – [email protected]

  3. ‘A REIRADA DOS CEM MIL – Algo parecido com a ffamosa RETIRADA dos DEZ MIL, a tão famosa aventura dos gregos contra os persas, e narrada por XENOFONTE, historiador grego, que comandou a VOLTA tempestuosa dos gregos após o fracasso.. O historiador grego narrou todas as peripécias que ocorreram no retorno miserável do exército com soldados cansados e famintos. Uma narraiva de uma volta a Terra Grega, onde poucos conseguiram alcançar.. A Volta dos CEM MIL não teremos um narrador para nos mostrar o que aconteceu nos bastidores, e esperamos que no futuro saibamos os detalhes. É o que pensa, joaoluizgondimaguiargondim – [email protected]

  4. A atual Ucrânia resultou da República Soviética da Ucrânia, um monte de retalhos que apenas fazia sentido para a lógica soviética. Digo retalhos porque era constituída por parte da Polónia anexada em 1939 pela União Soviética, por parte do antigo Império Austro Húngaro, pela Ucrânia propriamente dita que fazia parte da Rússia Branca, pelo Dombass, de população russa e pela Crimeia que os franceses, inglese e turcos invadiram em 1854-56, destruindo Sevastopol, novamente destruída pelos alemães na II GM.
    A Crimeia pertencente aos bizantinos, tinha sido conquistada pelos mongóis e mais tarde pelos turcos. Foi conquistada, no tempo de Catarina II, pelos russos assim como grande parte do território hoje dito ucraniano.
    A URSS acabou mas o ódio ao povo russo, fomentado atualmente pelos americanos e ingleses, continua.
    A Crimeia não foi anexada, ocupada já estava e foi reintegrada e é esta a verdade histórica.
    Quando se formou a atual Ucrânia em 1991, a população da Crimeia e do Dombass era russa, falava russo, tinha nome russo e passaporte interno (BI) russo. Numa fase intermédia passaram a ter passaporte e nomes em duas línguas, russo e ucraniano.
    A partir de meados da primeira década deste século os passaportes internos e nomes passaram a ser exclusivamente em ucraniano. A insatisfação passou a ser grande e houve diversos pedidos à Rússia para proceder à reintegração. A oportunidade surgiu após os episódios da Praça Maidan que originaram a mudança de orientação.
    Fala quem conhece o triangulo Kiev, Luganski e Odessa, também a Crimeia e tem amigos ucranianos e russos.
    A Crimeia e o Dombass pertencem ao seu povo e este é russo. Os ucranianos sabem isso perfeitamente.
    Tem que haver decoro por parte da Europa. Tanto os russos como ucranianos são europeus. Os americanos não o são.
    A Inglaterra saiu da UE. A Noruega não pertence à UE. A Nato foi criada por causa do comunismo e da URSS. O comunismo acabou. A Europa tem que se impor. Muitas das fronteiras que se originaram no passado foram traçadas com régua por ingleses e franceses após a I GM. Dividiram povos. Originaram matanças. Veja-se o que aconteceu aos arménios, o que se passa na Síria, o que acontece com o povo curdo.

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